A batalha diária de Régis lembra a do mito Mike Tyson

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Já estava dentro do meu carro no estacionamento da frente da padaria Real no centro de Sorocaba, na noite de domingo, quando ouvi uma voz me chamando. Era a do vereador Rodrigo Manga. Sai do carro para jogar uns minutos de conversa fora quando vi que ele estava acompanhado de Régis – o melhor lateral que o São Bento já teve.

Fui tomado por um misto de alegria infantil (de uma criança que encontra o seu ídolo do futebol) e de uma alegria adulta (do homem que crê na humanidade, apesar de todos os fatos diários nos tentarem dizer o contrário).

Manga fez a foto minha e de Régis (aqui postada) – eu sei que poderia ser uma selfie de nós 4, o irmão de Manga estava junto – e tive a chance de dizer a Régis o quanto ele é importante. Disse-lhe o quanto ele faz falta ao São Paulo (com ele em campo o São Paulo teria vencido o Palmeiras ou o primeiro jogo da final, ontem) e sei que faz falta à Seleção Brasileira – para se ter uma idéia, o lateral da seleção é Fagner que não tem futebol nem para limpar as chuteiras de Régis.

Meu entusiasmo com Régis nasceu com a sua capacidade de jogar futebol, mas se ampliou em sua perseverança de vencer o maldito vício que tanto problemas lhe trouxeram à carreira profissional. Sinto por Régis a mesma alegria que sinto em ver e ouvir Casagrande trabalhando como comentarista. São ídolos que nos atestam que é possível ver.

Fui dormir pensando em Régis e me lembrei de Mike Tyson (o mais forte lutador de boxe, seguramente, do final do século 20, embora não chegue nem aos pés de um Mohamed Ali ou George Foremam que fizeram a luta do século no Zaire). No dia 07 de janeiro de 2014, Tyson escreveu um artigo ao The New York Times e reproduzido aqui no Brasil pelo O Estado de S.Paulo.

Nele, Tyson dizia: “Para nós, viciados, a disciplina não é algo que almejamos a cada ano; trata-se de algo necessário a cada momento”; “Por mais que eu demonstrasse uma disciplina incrível em relação ao boxe, eu não tinha as ferramentas necessárias para evitar minha queda no vício”; “Aprendi que estar sóbrio é mais do que simplesmente evitar as drogas e o álcool. Trata-se de um estilo de vida cujo foco está em fazer escolhas morais, trazendo para o primeiro plano as coisas que fazem a vida valer a pena”.

Importância do Cadq

Manga me contou que Régis está frequentando de duas a três vezes por semana as palestras no Cadq (Centro de Atenção ao Dependente Químico), um local cujo o foco é o fortalecimento do tratamento aos usuários de drogas quanto de apoio aos seus familiares.

Manga é um desses vencedores. Foi no programa O Deda Questão, que eu tinha na TVR, canal 23 da NET, que ele falou pela primeira vez em público dos seus problemas como usuário. Desde que deixou as drogas, ele dedica importantes horas do seu dia para ajudar as pessoas que desejam sair desse mundo do vício.

Artigo de Mike Tyson

Estamos na época das promessas de ano-novo. Perder 10 quilos, frequentar a academia de ginástica, ser mais produtivo, coisas do tipo. Em poucos meses, muitas pessoas vão deixar essas metas de lado, renovando-as no próximo ano. Pertenço a um grupo que não pode se dar o luxo de fazer promessas e não cumpri-las. Sou um viciado.

 

Para nós, viciados, a disciplina não é algo que almejamos a cada ano; trata-se de algo necessário a cada momento. Por mais que possa parecer surpreendente – levando-se em consideração a loucura associada ao personagem Mike Tyson -, uma de minhas principais qualidades é minha disciplina, algo que meu mentor e primeiro treinador, Cus D’Amato, incutiu em mim. Cus e eu trabalhamos duro para que eu me tornasse o mais jovem campeão dos pesos pesados da história; sacrifiquei a maior parte de minha vida social enquanto adolescente e, durante anos, levei meu corpo até o limite diariamente, repetindo uma rotina brutal.

Cus morreu um ano antes de eu conquistar meu primeiro cinturão, em 1986. Sem ele, era menor o incentivo para que eu mantivesse a disciplina – e comecei a beber bastante e a usar drogas. Finalmente, aposentei-me do boxe em 2005. Não queria insultar o esporte subindo nos ringues fora de forma, lutando apenas pelo dinheiro. Foi então que me tornei um viciado de verdade. Desde então, lutei para me manter sóbrio, às vezes, com sucesso e, às vezes, não.

Por mais que eu demonstrasse uma disciplina incrível em relação ao boxe, eu não tinha as ferramentas necessárias para evitar minha queda no vício. Quando tinha uma oportunidade de ficar chapado, ficava chapado sem pensar duas vezes. Não telefonava para o meu padrinho, nem para o meu terapeuta, nem para meus amigos sóbrios. Para vencer o vício, tive de substituir o desejo de consumir álcool e drogas pelo desejo de ser uma pessoa melhor.

Aprendi que estar sóbrio é mais do que simplesmente evitar as drogas e o álcool. Trata-se de um estilo de vida cujo foco está em fazer escolhas morais, trazendo para o primeiro plano as coisas que fazem a vida valer a pena. Não entendam errado. Se eu tinha vontade de usar drogas e álcool, eu ainda cedia. Nunca consegui lutar contra esse desejo. Mas, quando estou concentrado em ser bom e fazer o bem, praticando os mecanismos diários de uma vida sóbria e saudável, não sinto essa vontade de fazer mal a mim mesmo.

É claro que precisei de uma consciência mais desenvolvida para sustentar isso. No decorrer dos anos, minha consciência me salvou do abismo de uma vida de total abuso hedonista. Mesmo quando eu era apenas um garoto antissocial de Browsnville, Brooklyn, roubando e provocando brigas, meus amigos e eu questionávamos nosso comportamento. Nos meus piores momentos, eu ainda me via com um olhar externo, pensando no efeito que minhas ações teriam sobre os outros.

Mesmo com a consciência incomodando, é extremamente difícil desenvolver uma atitude sóbria e moral na ausência de um bom sistema de apoio. Quando estava no auge de minha carreira, meu sistema de apoio era péssimo. Havia abutres famintos em torno de mim, colocando suas mãos nos meus bolsos, usando meu status para promover a si mesmos. Seria impossível vencer com gente assim no meu córner. Agora tenho a imensa sorte de contar com uma mulher maravilhosa e filhos ao meu redor.

Em 2009, prometi me manter sóbrio após a morte acidental de minha filha de 4 anos, Exodus. Eu estava determinado a viver uma vida melhor pelo bem da minha família, mas a dor era tanta que voltei para as drogas. A recuperação é um processo prolongado e, sem o contínuo incentivo, seria praticamente impossível alcançá-la.

Estranhamente, os momentos de sucesso são para mim os mais perigosos. Quando as pessoas me diziam “Você é ótimo” ou “Seu retorno foi espetacular” ou “Você é um deus”, eu aproveitava o sentimento e ia atrás de drogas. Ora, se minha vida é tão boa, como é possível que fumar um baseado seja ruim? Como uma dose de conhaque ou uma carreira de cocaína podem ser tão ruins se tudo o mais que eu tenho feito é considerado incrível – especialmente quando há pessoas lindas e bem-sucedidas alimentando meu ego e fornecendo as drogas? Aprendi que, quando sou elogiado, é o momento de me concentrar em minhas falhas. Dessa forma, impeço que meu narcisismo fuja do controle, fazendo-me achar que posso agir sem me importar com as consequências.

Eu me mantive sóbrio por cinco anos antes de sofrer uma recaída e voltar a beber em agosto. Tinha acabado de concluir o manuscrito do meu livro, meu programa estava prestes a ir ao ar pela HBO e tínhamos uma série de reality preparada para a Fox Sports. Eu não estava acostumado ao sucesso fora da arena do boxe.

Minha autoimagem era tão negativa que eu simplesmente esperava que coisas ruins acontecessem comigo. E, por mais que tivesse passado cinco anos sem usar drogas, durante todo esse tempo eu não me senti à vontade comigo mesmo. Guardava segredos diante de pessoas próximas, coisas que eu tinha que botar para fora, pois estavam me matando por dentro. Guardar os problemas para si é o pior sentimento do mundo. Quando resolvi essas questões, por meio da terapia e de conversas com a minha família, me senti um novo homem. Quando tive recaídas anteriores, continuei a usar drogas até sofrer um acidente de carro ou ser preso. Dessa vez, após beber por dois ou três dias, eu voltei. Não esperei uma intervenção. Simplesmente embarquei de volta no trem. Depois de anos de terapia, aprendi a não me recriminar tanto. Lembrei que a recaída faz parte da recuperação.

Nunca me senti tão bem quanto agora. Estou a caminho da humildade, consciente de que não se pode reinar antes de ter servido. Tenho diante de mim um glorioso 2014, quando todas as nossas promessas mais bem-intencionadas se tornarão realidade.

Mike Tyson foi campeão dos pesos pesados e publicou o livro de memórias ‘Undisputed Truth’.

São Bento dá nova chance

O lateral/meia Régis recebeu mais uma chance para se manter no futebol. Em comunicado oficial, a diretoria do São Bento relatou que se reuniu com o atleta e ofereceu um tratamento com o intuito de ajudá-lo na reabilitação dos problemas com drogas e álcool. O jogador de 29 anos se mostrou receptivo, aceitou a ajuda e não terá o contrato rescindido pelo clube.

O São Bento, porém, não informou se Régis ficará afastado durante o processo de reabilitação ou se participará dos treinos da equipe ao mesmo passo que se recupera.

Na última quarta-feira, o ex-jogador do São Paulo havia sido preso por estar dirigindo embriagado. Na oportunidade, o atleta foi abordado por policiais na saída de um posto de combustíveis em uma avenida da cidade do interior paulista e ainda tentou resistir, tendo, já na delegacia, seu carro apreendido.

A situação polêmica, aliás, não é uma novidade na carreira de Régis. Em uma curta passagem com a camisa do Tricolor Paulista, que durou sete meses, de março a outubro de 2018, o lateral foi afastado duas vezes antes de ter seu contrato rescindido. Alguns meses depois, ele também foi preso sob suspeita de tentar invadir o apartamento de um vizinho em Brasília.

No começo deste ano, período em que defendeu o CSA e viveu ótima fase, se envolveu em um novo problema extracampo. Em Maceió, o jogador tentou entrar a força em um motel e acabou detido, o que minou sua continuidade no clube alagoano. Após ter seu contrato rescindido com o time recém-promovido à elite do Campeonato Brasileiro, Régis acertou seu retorno ao São Bento, onde se destacou no Paulista de 2018 ao ponto de chamar a atenção de várias equipes e ser contratado pelo São Paulo.

Confira a nota emitida pelo São Bento na íntegra: A diretoria do Esporte Clube São Bento se reuniu na tarde desta quinta-feira (14) com o atleta Régis para oferecer ajuda e tratamento ao jogador. O mesmo se mostrou receptivo com as opções de auxílio e se comprometeu a utilizar todos os recursos possíveis para a sua reabilitação.

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