Com 25 anos de atraso, o Estado começa a olhar para o Vale da Fome

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O Festival Estudantil de Teatro do Estado de São Paulo, realização do Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos” de Tatuí, sempre foi um dos mais tradicionais e importantes do Brasil por várias razões: estrutura oferecida aos participantes, premiação, qualidade do teatro em som e iluminação, mas principalmente pelo intercâmbio entre os estudantes e profissionais e críticos especializados.

Como jornalista da área de Cultura, do jornal Cruzeiro do Sul, nos idos de 1994, algo assim, portanto 25 anos atrás, mais ou menos, sim duas décadas e meia atrás, eu fui pelo menos duas vezes, ou mais, membro do júri do festival. Não do júri técnico, pois desse fazia parte professores da USP, atores consagrados, um inclusive de fora do país, me lembro de um ator inglês que ministrou uma importante oficina num dos anos em que participei. Eu fazia uma espécie de reportagem sobre o sentimento do público sobre o espetáculo e relatava isso ao grupo no debate que sucedia a cada apresentação.

No encerramento do Festival Estudantil de Teatro do Estado de São Paulo, no magnífico teatro do conservatório, tinha uma cerimônia que previa a premiação, obviamente, mas discursos, falas e coisas afins.

Em uma de minhas participações, me coube fazer um discurso. Me lembro do teatro repleto. Gente de todos os lugares do Brasil, mas especialmente gente da região. Não propriamente da Região de Sorocaba, mas da microrregião de Tatuí, Itapetininga. Na empolgação da minha fala, improvisei com as mãos um mapa do Estado de São Paulo. E, como era conveniente com a ocasião, girava meu braço e dizia: imaginem que este é o nosso Estado e fazia uma pausa dramática…. silêncio, todos me olhando. Com o braço direito cortava o círculo imaginário feito com minha mão esquerda e dizia: imaginem que está é a rodovia Castello Branco… pausa dramática. E subindo o tom de voz, cobrava: há 30 anos, desde a década de 1960, o governo do Estado de São Paulo não faz um investimento em nenhuma das cidades que estão abaixo da Castello Branco. Nenhum! Voz alta, pausa dramática.

E dirigi toda minha fala à falta de duplicação da rodovia Raposo Tavares (processo que se iniciou em 1996 e ainda hoje não está concluído), da falta de universidade pública (chegou a UFSCar em Sorocaba e Conchas, a Unesp, Fatec…), equipamentos de saúde, cultura e infraestrutura para a atração de empregos. Foquei no Vale da Fome (Vale do Ribeira).

Vale do Futuro

Tudo isso me veio à cabeça hoje ao ler sobre o programa Vale do Futuro lançado pelo governador João Doria – Dia Mundial de Erradicação da Pobreza – com ações de curto, médio e longo prazo para o desenvolvimento social e econômico desta região do sul de São Paulo.

O programa contempla a atração de R$ 1 bilhão em investimentos públicos e R$ 1 bilhão em investimentos privados, além de R$ 3,3 bilhões em concessões à iniciativa privada.  Prevê-se ainda a criação de 30.000 oportunidades de emprego.

A expectativa é que o programa aconteça em três etapas: a primeira terá o prazo de 12 meses, a segunda em um médio prazo de até 2022 e a terceira até 2030, alinhado ao plano da ONU de erradicação da pobreza. Diversas frentes da região serão beneficiadas por meio do programa como as áreas saúde, educação, infraestrutura e, inclusive, obras nas rodovias.

Durante o lançamento, o governador João Dória explicou que, até o fim de sua gestão, em 2022, a região receberá R$ 2 bilhões em investimentos. Metade do valor será oferecido pelo governo do Estado e a outra metade pela iniciativa privada.

“Esse é o mais importante programa para o desenvolvimento social e diminuição da pobreza no estado de São Paulo. É um programa inovador que vai transformar com a ajuda dos prefeitos, das Câmaras, Assembléia Legislativa, Governo Federal e iniciativa privada. Esse é o maior programa social do nosso governo”, disse Doria.

O programa prevê também melhorias nos equipamentos públicos, saneamento básico, logística e um programa de concessões dos parques ecológicos da região.

Promessas de curto prazo

A curto prazo, o governo de São Paulo estabeleceu 10 ações imediatas que serão implantadas a partir do próximo ano.

  1. Qualificação profissional

– Programas Novotec, Via Rápida, Meu Emprego Cidadão Trabalhador, Meu Emprego Trabalho Inclusivo e qualificação empreendedora pelo Sebrae-SP

  1. Crédito para empreendedores

– Oferecer, até 2022, R$ 75 milhões em microcrédito pelo Banco do Povo para empreendedores formais

  1. Turismo

– Vale do Ribeira será palco da primeira edição da Adventure Week São Paulo, em parceria com a Adventure Travel Trade Association, para inserir destinos da região no catálogo de operadores nacionais e internacionais.

  1. Implantação do projeto “Empreenda Rápido”

– Incentivar empreendedores por meio da concessão de linha de crédito, cursos de qualificação em gestão de negócios e formalização de empresas

 

  1. Implantação do ICMS ecológico

– Injetar mais recursos nos caixas das prefeituras das cidades do Vale do Ribeira

  1. Atração de investimentos

– Iniciativa do Estado prevê R$ 2 bilhões em investimentos públicos e privados e criação de 30 mil oportunidades de emprego, renda e empreendedorismo até 2022

  1. Implantação de um Centro de Inovação com investimento em tecnologia
  2. Saúde 100%

– Previsão de entrega de Unidades Básicas de Saúde em Miracatu e Iguape

– Investimento de R$ 40 milhões para finalização do novo hospital de Pariquera-Açu

– Nova sede do Direção Regional de Saúde de Registro

– Reforma do Pronto Atendimento de Juquiá

  1. Melhorias habitacionais

– Investimento de R$ 25 milhões em 2020 no programa Viver Melhor, para requalificar até 5 mil moradias no Vale do Ribeira

  1. Implantação do “Prospera”, programa do governo do Estado voltado para educação.

– Oferta de bônus financeiro a 4 mil estudantes da rede estadual do último ano do ensino fundamental e de todo o ensino médio. Serão beneficiados jovens com renda familiar per capita de até R$ 178 para melhorar indicadores educacionais e a qualidade da aprendizagem

O objetivo com as ações imediatas é eliminar os gargalos e melhorar a condição de vida da população até 2022. A previsão é que até 2030 haja uma transformação da região como um todo, de acordo com Doria.

Porque entendo que é mais do que marketing

Diante da distância daquela minha participação no Festival Estudantil de Teatro do Estado de São Paulo, 25 anos atrás, e do programa Vale do Futuro, anunciado hoje, minha primeira tendência foi de pensar: melhor isso do que nada.

Mas, me lembrando de Dória vestido de gari, de Dória de cadeira de rodas, de Dória entre outras ações de marketing do qual ele é um mestre, me vejo no direito de pensar nos ensinamentos do Livro do Eclesiastes, capítulo 5:5: “É melhor não prometer nada do que fazer uma promessa e não cumprir”.

Há um detalhe, porém, neste raciocínio: Dória quer ser presidente. E isso muda tudo. Se o Vale do Futuro se resumir a uma ação de marketing, o projeto do governador de ser presidente vai naufragar na largada. Mas se o Vale do Futuro sair do papel, começar a se transformar no Vale do Presente, Dória terá o melhor cartão de visita para se apresentar aos rincões de pobreza do nordeste do Brasil, que começa do norte de Minas Gerais, sul da Bahia, e se estende sertão adentro. Terá como abrir portas numa região onde nenhum candidato paulista conseguiu sedimentar sua candidatura.

Assim, do meu discurso no Festival Estudantil de Teatro de Tatuí 25 anos atrás, o Vale da Fome nunca teve uma chance tão real, com o programa Vale do Futuro, de vir a ser o Vale do Sucesso.

Cada sofrido morador de Cananeia, Ilha Comprida, Itapurã Paulista, Pedro de Toledo, Itariri, Itaóca, Apiaí, Registro, Juquiá, Cajati, Iporanga, Barra do Turvo, Barra do Chapéu, Iguape, Tapiraí, Jacupiranga, Sete Barras, Ribeira, Miracatu, Pariquera-Açu e Ribeirão Grande merece isso. Que venham dias melhores!

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