Eu perdi o sono na madrugada de hoje

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A floresta está em chamas. O capitão do Brasil “exige” desculpas do presidente da França. A Fernanda Yang morreu de asma, doença que também atinge minha neta. O prefeito anarquizou seu mandato a ponto de estar bem próximo de tê-lo perdido definitivamente. Meu carro quebrou depois que coloquei álcool nele após anos só usando gasolina e vai ficar uma fortuna para ser consertado. Um homem imundo de sujo, magro demais, encolhido no chão, me pediu um trocado quando eu saia do Oba e eu não lhe dei…

Eu perdi o sono nessa madrugada. Acordei do nada. Olhos estatelados olhando para o teto escuro. Tudo em silêncio. Todos dormindo.

E de repente peguei meu pensamento: … e se o William tivesse acertado o gol ao invés da trave… E se o Wewerton tivesse ficado embaixo do gol ao invés de ir dividir a bola com o Luan… E se o Thiago Santos tivesse dado uma pernada no Cebolinha… E se o Felipe Mello não tivesse sido expulso no jogo anterior… E se o Luiz Adriano tivesse cruzado para trás a bola ao invés de chutar em cima do goleiro do Grêmio…

O Brasil em chamas e eu perdi o sono pelo Palmeiras.

Eu encho a paciência de amigos por causa do futebol desde criança. Mas o whatsapp facilitou muito minha vida. Domingo passado, quando o Flamengo se tornou líder do campeonato mandei um meme ao Tadeu, santista fanático. Seu time vencia por 3 a 0 e cedeu o empate ao Fortaleza. Falei algo como: tá doendo? Assim que o argentino apitou, Tadeu me chamou: Deeeedaaaa…. tá doendo? E eu disse que não, que eu já sabia. Mentira deslavada. Doeu muito essa inesperada derrota do Palmeiras.

O que me consola é perceber que o futebol – um dia já chamado de ópio do povo por Nelson Rodrigues e marxistas – me mantém conectado com as pessoas, com o que elas são, não com o que elas pensam que são e muito menos pensam que os outros pensam sobre ela.

Cada sarro que tiraram de mim no decorrer do longuíssimo dia de hoje, cada meme que recebi, cada brincadeira que vi na TV (o Neto se vestiu como a porquinha Peppa Pig), cada comentário que o motorista do Uber fez comigo impactou sobre eu ainda sentir uma ligação com esse mundo estranho.

A ideologia aprofundou a fenda de tal maneira que a dor cotidiana me oprime. Vou contar um caso pessoal para tentar explicar o que quero dizer. Saindo de um restaurante cumprimentei uma pessoa e uma outra pessoa querida minha, quando estava no carro, me perguntou quem era. Eu disse que ela não gostaria de saber. Obviamente que isso aguçou a sua curiosidade e então lhe disse: fulano é jornalista, fez assessoria para a campanha do Bolsonaro na região. E a reação dessa pessoa querida foi de total indignação: como você, Deda, pode cumprimentar uma pessoa dessas? É como se você estivesse cumprimentando um colaborador de um fascista. É como se você cuspisse na cara de quem sofreu com os horrores do Estado de exceção…

Por isso, o lado bom dessa derrota amarga do Palmeiras: O do sarro me fazer sentir conectado com o espírito livre de qualquer ideologia.

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