Geração que nega o óbvio

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O governo do presidente eleito Jair está marcado por sucessivas tentativas de reescrever a História do Brasil no período da ditadura militar, que perdurou ininterruptamente de 1964 a 1988.

Seus súditos ocupam o espaço possível para negar o que aconteceu, xingar quem fala a verdade e inventar uma realidade. No espaço de comentários de minha página pessoal, onde chamo leitores para este blog, um desses soldados do presidente, um jovem sorocabano, com histórico de seguir o presidente e seu exército virtual cegamente, fez afirmações para cooperar com essa invencionice de que não houve ditadura no Brasil.

É impossível ocultar eventos traumáticos (Nazismo na Alemanha, Apartheid na África do Sul, Ditaduras militares na América Latina…), afirma Carlos Fico, especialista em estudos sobre a ditadura militar e autor de livros como O Golpe de 1964: Momentos Decisivos (Editora FGV, 2014) e Como Eles Agiam – Os Subterrâneos da Ditadura Militar: Espionagem e Polícia Política (Record, 2001).

Espero que Fico tenha razão, afinal o relatório final da Comissão Nacional de Verdade mostra que 434 pessoas morreram ou desapareceram nas mãos do Estado no período da ditadura militar no Brasil; e 377 agentes do Estado foram responsabilizados por graves violações de direitos humanos ocorridas entre 1964 e 1988.

Se o regime militar começou em 1964, a ditadura se concretizou com os efeitos do AI-5 (Ato Institucional Número 5) que fechou o Congresso Nacional; prendeu o ex-presidente Juscelino Kubitschek e o ex-governador Carlos Lacerda, e começaram as cassações de deputados federais e senadores. Até 1969, um total de 333 políticos tiveram seus direitos políticos suspensos.

Foi o pior momento da história brasileira em termos de autoritarismo, sobretudo pela brutalidade da tortura, dos desaparecimentos, e também pela suspensão do habeas corpus e o fechamento do Congresso Nacional, explica Carlos Fico. Segundo ele, o que acontece depois do AI-5 é que o regime cria estruturas nacionais clandestinas de repressão política. O sistema DOI-Codi, que fazia as prisões e interrogatórios, em geral seguidos de tortura; o Sistema Nacional de Informações, que na verdade fazia espionagem e censura política. A repressão política é institucionalizada a partir do decreto AI-5.

Em Sorocaba, em 2014, foi criada a Comissão da Verdade de Sorocaba Alexandre Vannucchi Leme (homenagem ao sorocabano que estudava na USP e desapareceu numa ação militar) com o objetivo de resgatar falas e memórias de pessoas que sofreram com a ditadura militar do Brasil, no contexto da cidade de Sorocaba. Há um blog (https://cvsorocaba2014.wordpress.com/ ) com links e materiais sobre os trabalhos da Comissão da Verdade de Sorocaba, além de vídeos das oitivas e sessões realizadas na Câmara de Vereadores de Sorocaba no ano de 2014.

O professor de filosofia Daniel Lopes explica que a ideia de fazer uma Comissão da Verdade em Sorocaba surgiu quando ele trabalhava no Ministério da Justiça: “Foi após trabalhar na Comissão de Anistia. Lá tive a informação de que a prisão feita no 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em um sítio de Ibiúna (SP) em 1968 foi feita pela polícia de Sorocaba. Formamos um grupo, que recebeu a ajuda do Adriano Diogo, presidente da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo. Esse grupo criou um documento que mostrava os casos que aconteceram aqui e a necessidade dessa comissão para a Câmara para os Vereadores”, explica.

Meu leitor, que nega a existência da ditadura, já demonstrou em outras manifestações dele em minha página ou neste blog uma acentuada dificuldade em entender o que eu ou outra pessoa escreve. Isso me faz vê-lo como vítima de uma Estado que incapaz de oferecer a ele um ensino digno. O Brasil deverá no futuro, no meu ver, seguir o exemplo da Alemanha. Por lá, os alemães não negam o seu passado e muito menos a sua história, o que inclui o Holocausto. Lá, os campos de concentração não ficam abertos com o objetivo de atrair turistas, mas para mostrar à humanidade o tamanho do estrago que o ser humano pode causar. No Brasil, os estragos da ditadura sempre foram amenizados e cinquenta anos depois permitiu o surgimento dessa geração que nega o óbvio.

FOTO: Imagem das primeiras linhas da página inicial do decreto do AI-5, assinado em 13 de dezembro de 1968.

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