Morre dona Olga, fundadora da Escola de Samba Estrela da Vila, que representa a residência da cultura negra por meio do samba e da alegria do carnaval, mas sobretudo uma mulher que sabia juntar gente

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Eu conhecia a artista dona Olga (presidente da Escola de Samba Estrela da Vila) de sua vibração nos desfiles das escolas nos carnavais sorocabanos e de suas cantorias.

Mas nunca mais vou me esquecer do meu primeiro encontro com ela, a mulher Olga Domingues Camilo. Eu era Diretor da Área da Cultura, em janeiro de 2005, quando se iniciava o governo do prefeito Vitor Lippi e com ele a expectativa da volta do carnaval sorocabano que nos anos anteriores havia morrido sem o apoio do dinheiro público. Chamei todos os envolvidos com o carnaval, com as escolas, blocos, clubes. No final tudo deu certo, mas para se chegar nisso foi necessário ultrapassar as mais variadas barreiras e uma delas foi do tipo “o que esse branquelo sabe de carnaval”.

Coube à Dona Olga entrar de sola nesse tema e fazer um divisor de água naquele momento, dizendo que ele (no caso) ia apenas organizar as pessoas que fariam acontecer o carnaval.

Aquele gesto me marcou. E me ensinou o quanto é importante ao agente público ser didático ao explicar aos seus interlocutores que não está ali, exercendo um cargo na prefeitura, para usurpar nada de ninguém.

E essa história me veio à mente na tarde hoje logo após receber a resposta para a pergunta: quem é dona Olga? E ela me foi dada por Werinton Kermes, atual secretário da Cultura, e sua mulher, Miriam Cris Carlos, professora universitária, pós graduada em Semiótica, que quando criança, em 1983, viu nascer a Escola de Samba Estrela da Vila, lá no bairro onde morava, na mesma rua da dona Olga.

Eis o que responderam:

Dona Olga representa a residência da cultura negra por meio do samba, da alegria do carnaval. Mais do que isso, trata-se da resistência e da liderança negra e feminina. Ela foi baluarte da cultura negra não apenas porque comandou uma escola de samba, mas o fez sendo também mulher, mãe, moradora da periferia. Sempre com bom humor, com garra… Juntou gente em torno de si… O que parece cada vez mais difícil nestes tempos de desmonte e desagregação da cultura, de intolerância as diferenças.

Dona Olga juntou gente. É isso o que ela fez comigo quando, assustado e inexperiente chegava para o que veio, meses depois, a ser a Secretaria da Cultura.

Ela agregava e tinha foco nas necessidades das pessoas com as quais convivia e usava de seu prestígio e carisma para levar às autoridades essas necessidades.

Sua morte, devido a uma parada cardíaca na manhã de domingo, foi comunicada através das redes sociais por seu filho Amarildo. Uma passada por lá mostra, em imagens, a mãe carinhosa, amorosa, dedicada e bem-humorada que foi essa líder comunitária que ganhou fama na sua arte de sambista.

Fica o lamento de sua morte tão prematura, aos 74 anos. Fica em nossa memória a força dessa mulher. Fica a lição para que as novas gerações levem ao futuro o espírito de luta, mas sobretudo de tolerância aos diferentes e às diferenças. Dona Olga, certamente, vai fazer falta nos dias que se avizinham, na nebulosidade em que a sociedade está mergulhada. Livre de conotações ideológicas de esquerda ou direita e muito menos de extremos, dona Olga vai viver na memória da sociedade sorocabana em seu exemplo de resistência.

Seu velório foi realizado domingo na rua Antônio Fausto, 359, na Vila Fiore, e o sepultamento aconteceu hoje, às 8h30, no cemitério Consolação, na Vila Haro.

Dona Olga era casada com Antônio Benedito Camilo e deixou quatro filhos: Valdir, Amarildo, Aguinaldo e Kátia.

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