O presidente da Fundação Ubaldino do Amaral, advogado César Ferraz, usou sua página pessoal do Facebook para externar o seu orgulho da capa histórica do centenário Cruzeiro do Sul, edição de sábado passado, onde o jornal se posiciona favoravelmente ao candidato Jair Bolsonaro, na medida em que execra o PT, Lula e os anos em que o partido esteve no comando do país.
Àqueles que pensam, se identificam ou preferem (mesmo que por eliminação) o que o jornal defendeu, como era de se esperar, apoiam a iniciativa.
Já os que são contrários se manifestam com repúdio. O Diretório Municipal do PT, partido diretamente atingido no manifesto do Cruzeiro do Sul, deu uma resposta à altura do ataque que recebeu. Imagino que chegue ao judiciário essa questão.
Meu convite, aos meus leitores, é para uma outra reflexão.
Não vou me ater ao conteúdo da mensagem, pois considero ela secundária no contexto do que fez o jornal. Vou me ater a forma. Tenho defendido há quase duas décadas, que o sentido de qualquer mensagem não se sustenta pelo conteúdo dela, mas pela forma como ela chega ao destinatário.
Sendo assim, essa decisão do Cruzeiro do Sul em apoiar Bolsonaro e execrar Lula, o PT e a possibilidade deles voltarem a ganhar a eleição, fosse ela o contrário, ou seja, se o jornal tivesse execrado Bolsonaro em defesa de tudo o que o PT representou e ainda representa, minha avaliação seria a mesma.
O Cruzeiro do Sul, com a capa manifesto de sábado passado, escolheu atender aos anseios de uma parcela dos seus leitores, ou seja, aqueles que são da Maçônaria ou estão convictos que o momento é o de eleger Bolsonaro. E ao fazer essa escolha, desprezou os outros milhares de seus leitores que pensam diferente.
Um jornal deve ter opinião e expressá-la. Mas dentro dos limites editoriais que, historicamente, combinou com o leitor.
César Ferraz, quando expressa seu orgulho pela capa, não leva em conta que ela quebra um “contrato” com a sociedade sorocabana, que o Cruzeiro do Sul construiu ao longo de sua centenária história, que é o de respeito por sua opinião, porém com a dos outros também. E essa capa, achincalhando quem pensa diferente do jornal, é essa quebra de contrato, mais do que um desrespeito.
No dia 29 de setembro de 2018, o centenário Cruzeiro do Sul, fundado em 1903, que nasceu para defender os ideais republicanos, se transformou apenas num porta-voz da organização que o mantém desde 1964, quando a Fundação Ubaldino do Amaral, formada apenas por membros da Loja Maçônica Perseverança III, o adquiriu da família Freitas. O Cruzeiro do Sul deu às costas aos sorocabanos, quando podia, como já havia feito na véspera, manter sua opinião dentro do seu espaço Editorial.
A capa “grita” por um lado.
O momento, de tanta tensão e medo de que o Brasil volte a viver num regime de exceção (tenho externado esse medo há 5 anos, desde o movimento dos 20 centavos de 2013), exige equilíbrio dos homens públicos.
Uma capa que “grita” só teria sentido, num momento como esse, onde ao invés de promover um dos extremos fizesse a proposta de serenidade, respeito as instituições e, obviamente, de que vença o lado que for (é uma eleição em aberto) exista o respeito pela escolha do eleitor e que nada abale a Constituição.
Diante dessa capa, fico com saudades (o que nunca imaginei que pudesse ocorrer) de uma capa dos anos 90, quando o jornal começava a ganhar cores, e o Conselho Editorial da época achou que seria legal colocar a foto de uma flor na capa inteira para saudar a primavera. Sua intenção era só para informar que o jornal estava colorido. Foi das coisas mais sem senso, falta de bom gosto e brega que já vi estampada no jornal. Mas, ainda assim, era uma mensagem para todos os seus leitores, todos estavam contemplados. Não como agora onde se decidiu contemplar apenas os maçons ou que pensam como eles. Será que a conta (assinatura, compra avulsa, anúncio) será paga apenas pelos que concordam com o jornal?
Uma cidade, de qualquer tamanho, tem pessoas que pensam diferente e que tem desejos diferentes entre si. O Cruzeiro do Sul sempre soube disso e por respeitar essas diferenças é que chegou aonde está. Ao escolher um lado, impedindo a voz dos outros, o jornal escolheu o tamanho que deseja ter.
Será que as empresas que anunciam seus produtos no Cruzeiro do Sul querem vendê-los apenas a quem pensa que Bolsonaro é o melhor? Essas empresas não querem o consumidor que pensa diferente de Bolsonaro?
Levando em conta o desprezo com que Bolsonaro tratou a mídia tradicional nessa campanha eleitoral, dando valor apenas às redes sociais, é correto o raciocínio de que seus eleitores estão familiarizados com essa nova plataforma de comunicação, abrindo, no mínimo, a possibilidade de que o jornal está ultrapassado para eles.
Fosse eu nesse momento o editor-responsável pelo jornal, como fui por anos na passagem do aniversário dos 100 anos do Cruzeiro do Sul, teria externado essa minha opinião acima aos diretores. E teria lutado para que não dessem o passo que deram. Fico pensando se, assim como o presidente, o editor responsável também tem orgulho dessa referida capa. Mais: foi idéia dele? Ele teve a chance de dar sua opinião?
Talvez eu esteja absolutamente enganado. E, assim, essa capa seja o caminho para que o jornal ganhe sustentação financeira com o respaldo de um lado, apenas, da sociedade sorocabana.
PS – o movimento das mulheres contra Bolsonaro (assim como os 20 centavos de 2013), ocorrido no sábado, é um sinal do Brasil real que passou despercebido dos políticos e imprensa tradicional. Um tema do qual ainda vou tratar neste blog.