Não foi o PM que matou o Dinho

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O locutor da rádio comunitária Cultural FM de Sorocaba e militante da ONG Unegro (União de Negros pela Igualdade), Milton Expedito do Nascimento, de 33 anos, conhecido como Milton Dinho, foi morto na tarde deste último domingo (23 de dezembro), atingido por disparos de arma de fogo por supostamente não ter parado durante a abordagem realizada pela Polícia Militar.

O fato gerou indignação, consternação e repercutiu nacionalmente.

Reproduzo três reflexões sobre o ocorrido. A primeira delas, de José Marcos de Oliveira, presidente do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Sorocaba, que vê na cultura do racismo que impera no Brasil a causa da morte de Dinho (leia abaixo a íntegra da opinião dele).

Há quem veja nessa morte o que será o Brasil. Reproduzo um pequeno trecho de uma mensagem, de uma pessoa da comunidade de Dinho, enviada ao advogado pedindo ajuda. No calor da emoção do fato recém acontecido e chorando, essa pessoa, na mensagem que gravou, afirma: “esse fio da… (presidente Bolsonaro) nem assumiu e a gente já tem indícios de como vai ser o nosso futuro, é desesperador…”.

Quando eu estava chegando em casa, domingo à noite, o segurança da portaria, que é negro, demonstrava certa ansiedade em falar comigo. Apertou minha mão para o Feliz Natal e logo entrou no assunto que queria: o radialista errou…, ele tinha que ter parado…, ele não deu baixa na denúncia do furto da moto… esses foram seus argumentos. O meu foi: mas a recuperação de uma moto vale mais que a vida de um ser humano, mesmo que o morto tivesse sido o ladrão e não a vítima do ladrão? Nada vale mais que a vida. Mas quem prega que “bandido bom, é bandido morto” obviamente que não pensa assim.

Dessas três reflexões é possível a afirmação do título deste post, ou seja, as balas que mataram Dinho saíram do revólver do PM que o abordou, mas é essa visão distorcida que domina a sociedade (bandido bom é bandido morto), alimentada por campanhas eleitorais (a insistente imagem do dedo indicando um revólver!) e sucessivas reproduções em redes sociais que dão “poder” a quem está na ponta da linha, ou seja, o soldado. Me lembro de uma passagem, de um diálogo entre um dos presidentes militares e um assessor durante a ditadura, onde o assessor dizia que não tinha medo do general, mas do soldado na rua.

O resumo dessa história é o fim trágico da vida de Dinho e uma dor imensurável à sua mãe, irmã e demais familiares e amigos. É o soldado, autor dos disparos e seu colega de ação, estaremo afastados das suas funções até que os fatos sejam esclarecidos. Seguramente esse soldado terá de arcar com a responsabilidade do seu ato, seja perante a justiça ou, especialmente, diante de si.

O que se sabe

Confundido com um assaltante, Dinho morreu após levar dois tiros de um policial militar, no Jardim Montevideo, na zona norte, na tarde domingo passado. Ele chegou a ser levado para o Pronto Atendimento da Zona Norte.

Dinho apresentava seu programa Informasom, voltado ao mundo do Hip Hop e à comunidade negra, na Rádio Cultural FM, que funciona em uma igreja situada no bairro Parque Laranjeiras, quando dois homens armados invadiram o local, por volta das 13 horas, e levaram sua moto, dois aparelhos celulares e pertences de outros funcionários. Ele chegou a avisar a Polícia Militar e passou as características dos assaltantes, inclusive informado que os bandidos eram brancos.

Como um de seus celulares dispunha de rastreador, ele decidiu ir ao local indicado pelo aparelho, em um bairro próximo. Acompanhado de seu irmão, ele avistou o veículo parado em frete a uma casa, com a chave no contato. Após aguardar por alguns instantes para ver se os ladrões retornavam, ele decidiu recuperá-la e quando estava retornando, se deparou com uma viatura da Polícia Militar. Informações dão conta de que ele não usava capacete e, de acordo com o boletim de ocorrência, “estava em alta velocidade e parou bruscamente”. Ao descer da moto, levou dois tiros de um policial.

A LETALIDADE DO RACISMO INSTITUCIONAL

Por José Marcos de Oliveira

Vidas Negras importam, mas pelo que parece não para a o setor do estado que deveria nos defender e oferecer a segurança pública a qual necessitamos. O assassinato nesta tarde de domingo (23/12/18) aqui na cidade de Sorocaba/SP, além de devastar toda uma família, amigos e a comunidade negra, escancara a letalidade do Racismo Institucional. O ocorrido com o jovem Milton Dinho evidencia a influência de fatores raciais e geracionais uso da força letal pela polícia, e soma há dezenas de casos que ocorrem por todo o Estado de São Paulo. As informações/notícias que chegam apontam que o rapaz foi alvejado pelas costas, 2º o que consta na matéria do Jornal Ipanema “… De acordo com as primeiras informações, o apresentador foi alvo de assalto e tentou recuperar sua moto roubada. Porém, quando retornava, passou por um comando da Polícia Militar e foi atingido disparos de arma de fogo por supostamente não ter parado durante abordagem…”

Consideramos estas informações não se enquadrarem ao perfil de Milton Dinho, quem o conhece sabe que jamais teria ele este tipo de comportamento! A polícia matou o triplo de negros do que de brancos entre 2015 e 2016, de acordo com levantamento do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no começo de novembro. Os dados são uma compilação de todos os casos registrados em boletins de ocorrência nos dois últimos anos. Conforme pesquisa/publicação do Fórum Brasileiro de Segurança no estado de São Paulo foram 963 mortes de brancos contra 3.240 mortes de negros, por policiais de folga ou em serviço no ano passado (2017). Outras 1.642 mortes foram registradas como “não identificado” e mais 51 como “outros”, totalizando 5.896 mortes causadas pela polícia.

Portanto, o ocorrido nesta tarde, dialoga com a linha de pensamento da socióloga e pesquisadora Samira Bueno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, quando ela diz:  O que está em jogo não e matar bandido, ainda que boa parte da população defenda isso, e sim um mandato que tem sido dado aos policiais para que eles matem quem eles pensam que é bandido, mesmo que o indivíduo não esteja cometendo ato ilícito e nem represente ameaça…” E ao que parece o Dinho foi justamente vítima de um ato ilícito, da falta de segurança e foi justamente assassinado pela estrutura que deveria lhe garantir o direito de ir trabalhar, de ir e vir. Portanto, 130 anos passados e o grito de liberdade ecoa permanentemente, as palavras de indignação e resistência vão persistir, na mesma velocidade em que o racismo institucional continuar matando, marginalizando, invisibilizando e demonizando a cultura, os corpos e a religião do povo negro.

E é por isso que o Conselho da Comunidade Negra de Sorocaba, o Movimento Negro e aliados, seguiremos dizendo: que as Vidas Negras Importam! A responsabilidade e de toda a sociedade, nos choramos a morte violenta de todos os nossos, vamos chorar o assassinato do Dinho.

Nós não queremos e não vamos esquecer, queremos respostas e ações que tirem o jovem negro da condição de principal suspeito das forças policiais, tornando-o o inimigo principal da sociedade, por intermédio de estereótipos que lhe são atribuídos. Dinho, era simplesmente um trabalhador, amigo, filho querido, foi vítima do fracasso do estado, foi assassinato porque é preto!

José Marcos de Oliveira, presidente do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Sorocaba

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