O livro “O Perfume”, um romance do escritor alemão Patrick Süskind, publicado pela primeira vez em 1985, vendeu 15 milhões de exemplares em quarenta línguas, por ser interpretado como uma poética metáfora da brutalidade sedutora da tirania da liderança de Hitler para conquistar o apoio da população alemã para o seu projeto de poder.
Tirando a metáfora como a história foi lida, em sua literalidade o livro conta a história de um amaldiçoado menino que nasce sem cheiro próprio e um olfato apuradíssimo. A partir daí, se desencadeia uma série de assassinatos e a busca do perfume perfeito, aquele que faz com que qualquer pessoa seja amada, desejada por outra. Ou seja, quem tem esse perfume, tem o poder.
Num dado momento da história, em meio a intrigas que tanto tiram o fôlego do leitor (ou telespectador, já que a história pode ser vista na Netflix) surge a afirmação de que esse poder do perfume pode ser reverso. Como assim, reverso?
O leitor vai entender, com clareza o que ele significa. Se um filho busca o cheiro de sua mãe, mesmo inconsciente e metaforicamente, em suas relações, o mesmo ocorre com sua mãe quando um filho, de repente, se ausenta. E um dos crimes é praticado por uma adolescente órfã que sonha em ter uma família, uma mãe. Ela mata um menino apenas para usar seu corpo na confecção de um perfume (com as técnicas do perfumista do livro) e atrair a mãe dele e ser adotada por ela (o tal reverso) e ser amada por essa mãe que amava o filho.
Todo filho quer ser amado por sua mãe.
Só isso!
Lembro do livro pois neste sábado, quando se comemora o Dia da Criança, embora seja uma data comercial, vale a pena aproveitar o momento para fazer dele um instante de reflexão.
A regra é que os pais fazem sempre o melhor que podem aos filhos, as exceções ficam por conta daqueles que os maltratam.
O fato é que os adultos são seres que sofrem e a raiz dessa dor está, no geral, no que foi cultivado quando eram crianças.
Vou dar dois exemplos, talvez isso ajude a explicar o que estou tentando dizer.
1 – Conheci uma mulher, já adulta, na casa dos 40 anos. Tinha baixa autoestima e isso provocava uma série de consequências: excesso de peso, falta de confiança, não tinha relacionamento íntimo, carência afetiva, solidão… Um dia ela recebeu a visita de uma tia que não via desde criança, que morava em outra cidade, e estava de passagem por Sorocaba e como a irmã dela (mãe dessa mulher que conheci) havia morrido resolveu visitar a sobrinha. Era domingo, almoçou, café da tarde e resolveram pegar as fotos de família. Pega uma, outra e mais outra. Lembra dessa? E daquela? Não! Também não? E nem essa? Resultado, todas as fotos que essa mulher que conheci achavam que eram dela, que a mãe, a vida inteira disse que eram dela de criança, não eram dela. Nunca foi feita uma foto dela. As fotos eram todas da irmã. Nem mesmo a única foto que ela achava que tinha com a mãe, era da irmã. A tia tentou justificar, explicar que não tinha dinheiro para fazer foto das duas, que eram parecidas e que era mesma coisa…
2 – Uma família estava organizada, pai, mãe, quatro filhos num escadinha, praticamente, 1, 2, 3 anos de diferença. A caçula fica doente, gravemente. Tratamento difícil. Anos em idas e vindas no hospital e numa diferença grande, de mais de 5 anos, vem outro bebê. Uma criança que chega para cavar seu espaço num ambiente já todo organizado na distribuição de afeto, que luta por algumas migalhas. Não há culpados. Há a realidade desse adulto que não se expande e vive aprisionado na infantilidade daquela criança que nunca teve chance de ser aceita.
Vejo uma luta séria de combate ao trabalho infantil, e reconheço a importância dela e do trabalho desenvolvido aqui em Sorocaba pelo desembargador João Batista Martins César, do Tribunal Regional do Trabalho, especialmente entre aqueles com menos voz e mais desemparadas.
Mas minha luta é pelas crianças em sua essência, ou seja, naquilo que vai além de classe social, econômica ou intelectual. Minha luta é para que pais e mães olhem bem dentro dos olhos dos seus filhos e digam que eles são desejados. Quem sentem orgulhos deles. Que estão juntos com eles para o que der e vier. Que eles serão cuidados… Amados!
Domingo passado, no Supermercado Correia, no bairro Santa Bárbara, zona Oeste em Sorocaba, uma menina de 5 anos, imagino eu, tentava chamar a atenção de uma adolescente, que depois descobri ser sua irmã, uma menina toda empiriquitada, bastante decotada, popó do bumbum aparecendo num shortinho bem curto. A menina de 5 anos era desprezada a ponto de ser enxotada com um sai pra lá sua retardada chata pela adolescente. E a criança, dando claro sinal que estava acostumada a ser tratada daquele modo vulgar, seguia perambulando pelos corredores do supermercado como se não fosse com ela aqueles insultos. A mãe, que devia ter uns 30 anos, mas aparentando uns 50, passou a dizer para as duas, a menina de 5 e à adolescente, não encham, vamos embora, parem, vocês duas me deixam louca…