Quando eu tinha uns 4 anos – será que eram 5? – comecei a ir ao parquinho na Vila Santana, anexo à quadra do San Remo, um dos mais tradicionais times de futsal de Sorocaba e onde vi e entrei pela primeira vez na minha vida em uma piscina. Era a Tia Lígia. E A Tia Marina, a diretora, que me deixava passar boas horas deitado no tapete em sua sala de aula. Me lembro do Luiz Antônio, um amiguinho, histérico botando terror na sala inteira porque a gente ia tomar injeção. A irmã dele ainda encontro por aí, nunca mais o vi. Me lembro do meu pânico desmedido pelo terror do Luiz Antônio e da Tia Marina me acalmando, explicando, me acolhendo, o tapete felpudo, branco, fofinho, macio, cheiroso. A injeção (ou seria vacina) nem doeu. Nunca vacinas ou injeções ou anestesias de dentistas foram problemas para mim.
Na primeira série, dona Teresinha Rocha, na Escola Estadual Genésio Machado, também na Vila Santana. Dona Teresinha – já não eram mais tias, mas donas as professoras – me pediu um favor um dia, que pegasse um copo de água a ela numa outra sala. E o trouxe com minha mão cobrindo o copo. E ela, enfática, quis saber o motivo. Respondi que era para não cair nada dentro. E ela me deu um olhar tão de aprovação, que nunca mais o esqueci.
Na segunda série, dona Cinira, uma senhora parecida com minha mãe, chegava bem perto de me chamar de burro. Só lhe faltava coragem. E bem provavelmente eu repetiria de ano se não tivesse olhado para a prova do Neto, irmão do Gilberto, que sentava na minha frente e copiasse dele o resultado de uma “problema” de Matemática.
Na quarta série, dentro da sala de aula, me lembro do Bé, um negro retinto e forte como um touro ter empurrado meu irmão contra a tela da cerca da escola quando ele passava de bicicleta pela calçada. Uma humilhação da qual não podia fazer nada. Meu irmão, esperto, fez a única coisa sensata, correu. Encarar o Bé seria suicídio. E fugir, quando ninguém estava vendo, era o melhor a fazer. Ninguém, aparentemente, via. A não ser eu de dentro da sala, pela fresta da cortina. Uma cena que marcou a vida. Nunca falei dela com ninguém.
Quando cheguei na quinta série, me arrastando, posso dizer, tive um feliz encontro com a dona Penha, professora de Português. Até o ano anterior, era apenas um professor. Da 5ª a 8ª era um professor por disciplina. Em Matemática foi o seo Claudemir (que enfrentava o preconceito dos anos 70 por seu jeito afeminado demais para aqueles anos) e a Ana Maria (uma loira linda enfiada em seu jeans bem justo). Eu tinha um dom de entender a lógica Matemática. Nunca tive dificuldade com as operações, as equações, as regras. Mas em Português… Então, apareceu a dona Penha na minha vida. E graças a sua paciência, a sua didática, a sua dedicação ela me mostrou que a Língua Portuguesa tem a lógica da Matemática. Uma oração é uma equação S + V + P, ou seja, Sujeito mais Verbo mais Predicado. Os Verbos são Transitivos ou Intransitivos. Quando Transitivos, eles o são Diretos ou Indiretos. No Predicado se alojam os Advérbios. No Sujeito está o Quem e há toda uma lógica de Subordinação e Insubordinação verdadeiramente apaixonante.
Graças a dona Penha minha vida ficou absolutamente mais fácil. De repente virei um bom aluno, aqueles de notas boas.
Seo Nelson, o Nelsão, que tinha um Fuscão Preto bem antes da famosa música, professor de Geografia, ensinando como a terra é redonda (fico pensando se Olavo de Carvalho e seus séquitos tivessem tido a chance de ter tido aula com o Nelsão se teriam coragem de dizer que a Terra é plana…), na 7ª série, foi outro mestre que mudou o curso de minha vida. Se a lógica Matemática, de que a soma de um pão com outro pão são dois pães, era nata em mim; se essa lógica é aplicável na Língua Portuguesa; foi com a Geografia – nas aulas do Nelsão sobre Fuso Horário – que aprendi que as coisas são representadas e não existem em si.
Dona Lenita, uma professora substituta, chegou e apresentou aos alunos do Genésio a Biblioteca da escola. E disse que os livros poderiam ser pegos… E se estragar? Me lembro de alguém ter dado um berro. E ela, docemente disse, vocês vão ter cuidado, tenho certeza. E ali descobri Dom Casmurro. Aos 13 anos, meu primeiro Machado de Assis. Dona Lenita me ajudou com a leitura e depois vieram Memorial de Ayres, Memórias Póstumas…
No Senai, aprendi sobre lealdade e disciplina. E entre vários nomes que poderia destacar, faço questão de me lembrar da professora Rita, dos professores Rondello, Boffe e Amílcar, da assistente social Fátima.
Na faculdade, entre tantos, cito os professores JB, Mário Erbolato, Chinaglia.
Na especialização, dos vários ressalto Clóvis de Barros Filho e Carlos Alberto Di Franco.
No mestrado, minha orientanda Irene Machado e a grife Lúcia Santaela.
Mas meu grande mestre, a quem rendo as homenagens neste Dia do Professor, é o seo Wlademir dos Santos. Pessoa com que tive a honra e oportunidade de conviver graças a Arthur Fonseca Filho e Raul Fonseca primeiramente na OSE e depois no colégio Uirapuru. Durante três anos, quatro, cinco, convive com eles duas ou três horas por dia falando sobre a vida a partir de livros, notícias, filmes. Aprendi, seguramente, a regra número 1 de toda a relação humana: só entendemos o que estamos aptos a entender. A empatia de se colocar no lugar do outro, entender se vale a pena uma briga, um debate, uma discussão, um amor.
Seo Wlademir morreu muito cedo. Mas o que ele cultivou vive nos muitos dos seus alunos. Ainda bem!