Pare um pouco para pensar sobre a falta de água

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Uma das lembranças de minha infância, e isso eu devia ter entre 7 e 9 anos de idade, não mais, era de acompanhar minha mãe até uma bica no final da rua de casa que, por sinal, era o fim da Vila Santana, para pegar água em balde e levar para casa. Aliás, meus amigos faziam e mesma jornada com as suas mães. Como eu nasci em 1967, estou falando em algo entre 1974 e 1976.

Nesse primeiro parágrafo, caro leitor, peço sua atenção para dois aspectos: 1º) os filhos acompanhavam suas mães, ou seja, elas estavam em casa e não precisavam sair para trabalhar e ajudar no sustento da casa; 2º) havia, ainda, uma bica de água potável no final da rua. Ou seja, duas condições que neste século 21 não existem mais.

Essa lembrança me veio à memória, na semana passada, quando os dias de calor estiveram tão fortes e o consumo de água ultrapassou a capacidade do Saae (a autarquia municipal responsável pelo abastecimento) em produzir mais água potável do que já produz.

A vereadora Iara Bernardi fez um vídeo, bastante compartilhado, inclusive por pessoa bastante esclarecida e liderança importante em nossa sociedade, afirmando que a falta de água não tinha sido por falta de aviso dela que, em julho, alertava para o baixo nível da represa de Itupararanga – principal fonte de água de Soocaba.

Ressalto, alertas como o de Iara são sempre importantes. Mas a falta de água em Sorocaba na semana passada não foi por falta de água. E isso é importante que fique claro. Por enquanto, e friso isso em razão do que vou argumentar logo adiante neste texto, por enquanto Sorocaba não sofre com falta de água. A água de Itupararanga chega até a estação na avenida General Carneiro e abastece a parte mais antiga da cidade. A outra parte de Sorocaba, a que se desenvolveu depois dos anos 80, a chamada Zona Norte, depende em boa parte da água que vem das represas da região do Éden e Aparecidinha. Essas represas dependem da chuva para estarem sempre cheias. E há três meses não chove em volume suficiente. Mesmo assim, graças a “estoques” feitos pelo Saae, a capacidade de produção de água potável foi mantida em seu limite. Porém, o consumo, devido ao calor extremo, foi acima. Vejam que quando o calor diminuiu – como ocorreu no domingo e hoje – não houve problema de desabastecimento. Ou seja, não falta água em Sorocaba.

A solução seria Sorocaba “parar” de crescer. Sim. A sociedade poderia se organizar e dizer que deseja ficar do tamanho que está e chega de aumentar. Há mecanismos, como o Plano Diretor, capaz de regular essa decisão.

Mas se entende que Sorocaba deve continuar crescendo. A solução encontrada, então, foi achar mais água. A decisão foi despoluir o rio Sorocaba. Isso começou em 1996 e hoje 96% do rio já está despoluído o que permitiu que fosse construída a Estação de Tratamento de Água no Vitória Régia, justamente na Zona Norte, a região que mais sofre quando o consumo fica acima da média. A água do rio será tratada e fornecida à população de modo que mesmo em dias como os da semana passada não venha a faltar capacidade de produção de água potável.

Mas, como disse lá atrás, até quanto (não quando, quanto, mesmo) Sorocaba deseja crescer? Por enquanto há água em Itupararanga e no rio Sorocaba. Haverá para sempre?

Quem está disposto a deixar os interesses da próxima eleição de lado e verdadeiramente discutir o futuro da cidade e, especialmente, sua capacidade de infraestrutura?

Há uma comoção nacional, que ganhou proporções internacionais, em relação ao que está acontecendo ambientalmente na Amazônia, mas e aqui, em nossa casa, porque tamanho silêncio?

Repito, 45 anos atrás havia uma mina de água, pura, da qual podia se beber, no final da rua de casa na Vila Santana e aposto que cada pessoa que hoje está na faixa dos 50 anos de idade tem uma história parecida com essa para contar. De lá para aterraram tudo. Não há mais vegetação. Tudo foi impermeabilizado em nome do “progresso”.

Fazer live, reclamar do prefeito de plantão, xingar o Saae, falar que avisou, prometer que vai fazer diferente… pode funcionar para conseguir votos de imbecis. Pessoas inteligentes querem verdades e soluções técnicas, planejadas e devidamente colocadas na linha do tempo.

Sorocaba, sem falar sua conturbação com Iperó, Votorantim, Itu, Porto Feliz, já tem perto de 700 mil habitantes. Vai ter água para mais 300 mil habitantes, por exemplo?

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