O dia em que o Gilberto quebrou a raquete de tênis na quadra do Estrada

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A derrota do tenista grego Stefanos Tsitsipas para Nick Kyrgios por 2 sets a 1 no ATP Cup da Austrália, hoje, ficará marcado não por sua eliminação precoce do torneio do qual era favorito para ser o campeão, mas pelo seu descontrole emocional. Tsitsipas descontou sua raiva com raquetadas na cadeira, sendo que uma chegou a acertar seu pai, Apostolos, que também é seu treinador.

É assustadora uma cena dessas.

Quando eu era criança presenciei uma dessas explosões de raiva e até hoje a imagem está cravada na minha memória.

O tênis é um jogo elegante, nobre. O que menos se espera ver na quadra é a violência física. E essa surpresa, de não se esperar algo violento, é o que choca. A contradição causa desconforto.

O tênis é um dos mais violentos jogos emocionais que existem. Ao menos para o praticante.

Quando eu tinha 10 anos, eu já frequentava o Estrada, ali na Vila Santana, em razão da piscina, havia uns 3 anos. Um dia, vi meu irmão do meio, o Mauro, indo para o fundo do clube num local onde eu nem sabia que existia e lá descobri duas quadras de tênis. Meu irmão se tornou um exímio jogador – ainda hoje o é – e eu um medíocre empurrador de bola. Alguém, no máximo, para fazer uma recreação nas duplas.

Mas, obviamente, tive meus momentos, afinal fui aluno de dona Ruth, a grande professora de tênis de Sorocaba, esposa de mister Frank, o inglês desbravador deste esporte na cidade. Melado (hoje assessor da vereadora Iara Bernardi); Eraldo Basso (o grande compositor e cantor dos bares das noites de São Paulo e Sorocaba); os irmãos Wande e Wagner, filhos do Alemão; Alexandre, os gêmeos Ivan e Fábio (craques), Helinho (super jogador, dono das quadras de tênis, campeão federado), Duda, os irmãos Takeda, Marcelinho Takeda. Uma centena a mais de nomes.

Havia, ainda, uma lista bem menor, é verdade, de tenistas mulheres.

Enfim, rostos que me lembro e nomes que esqueço. E o Gilberto. Imagino que ele tinha à época entre 25 e 30 anos. Era funcionário do escritório de alguma indústria (vejam, escritório significa algo bem superior ao chão de fábrica, ou seja, Gilberto era alguém de mais status). Gilberto usava uniforme. Ao contrário de mim, que tinha raquete Procópio (única brasileira e mais barata) e jogava com as bolinhas gastas que “sobravam”, Gilberto tinha uma raquete de madeira maciça (lembrem-se que no final dos anos 70 ainda não havia a tecnologia que transformou as raquetes no material químico que são hoje em dia), se não eu tiver enganado era uma Dunlop, inglesa. Ele só não tinha jogo. Ele era dos ruins. Mas muito competitivo. Errava demais e se lamentava. Berrava. Tinha um comportamento exagerado para quem era ruim. É tolerável extravagâncias entre os bons, mas entre os ruins… Enfim. Um dia, Gilberto arrebentou sua raquete na mureta da quadra. Ele bateu ela com tanta força que a partiu em dois. Eu recolhi os dois pedaços e levei para casa com o intuito de colar as duas partes. Nunca deu certo.

O esporte é um bom educador das lições para a vida. Quando eu era criança, além do jogo de futebol, ainda havia bolinha de gude, betis, queimada, rouba ouro na casa do besouro, polícia e ladrão… todos em equipe e na rua.

Os tempos foram mudando e a rua deixou de ser um espaço público e, muito menos, lugar de criança e adolescente.

Vejo que as opções de hoje são os clubes, condomínios, praças.

E, evidentemente, uma relação virtual que provoca consequências ainda desconhecidas por completa em nossa sociedade.

Na minha vida, o tênis foi um jogo importante para me ensinar lições: Me inseriu numa nova cultura, entre pessoas de níveis sociais diferentes e numa lógica da qual não tinha familiaridade alguma. Quem joga tênis fica nervoso e perde a paciência se a intenção de colocar a bolinha num determinado lugar da quadra fracassa.

E esses fracassos quando se tornam recorrentes são sintomas indicativos de estresse que gera a ansiedade em acertar e escapar do fracasso que gera o desejo de querer vencer que gera a incerteza de ser capaz ou não de alcançar a vitória que gera o constante risco da derrota que gera a possível decepção de ser taxado como perdedor que gera uma posição errada dos pés e a bolinha não caí onde se deseja e… então ocorre a explosão.

No jogo coletivo a motivação de vencer é disseminada numa estratégia de variadas individualidades. No jogo individual, ela é ambígua: pouca motivação produz um jogador fraco e ineficaz; se for muita, ele fica muito nervoso, ansioso. Como na vida, a virtude está no meio.

Tive essa experiência num Jogos Escolares. Eu era melhor jogador, defendia o Genésio Machado e era pouco motivado e jogava contra um aluno do Getúlio Vargas (que jogava no Ipanema Club, de rico), não era lá essas coisas, mas era muito motivado. Eu comecei vencendo e tive a vitória nas mãos, mas perdi o jogo. Uma derrota amarga. Uma decepção para a escola pelas circunstâncias daquela derrota. Uma humilhação pessoal.

Tive outras derrotas marcantes como essa, na época da faculdade em Campinas, pela falta da motivação. Me lembro do meu amigo, já saudoso, Carlos Magno ter ficado incrédulo comigo. O fato é que com o destempero de hoje de Tsitsipas na Grécia me lembrei do que o tênis me ensinou: de que não basta o trabalho árduo, persistente e inteligente (treino e estudo) para o sucesso, também é preciso estar motivado.

O tênis é um bom jogo para quem está aberto a aprender lições para a vida.

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