José Mojica Marins, o Zé do Caixão, morreu aos 83 anos em São Paulo nesta quarta-feira (19 de fevereiro), em decorrência de uma broncopneumonia. O velório do seu corpo teve início há instantes, desde às 16h, no auditório no MIS (Museu da Imagem e do Som) e o enterro está marcado para o meio-dia de amanhã, sexta-feira de Carnaval, no cemitério São Paulo, em Pinheiros, na Capital.
Zé do Caixão faz parte da vida de qualquer brasileiro. Duvido que alguém seja capaz de, ao menos, não saber o óbvio sobre ele: era um personagem de terror, de unhas grandes. Ivan Finotti (co-autor, ao lado de André Barcinski, da biografia Maldito – A Vida e o Cinema de José Mojica Marins, o Zé do Caixão) afirma que “em 1968, José Mojica Marins, ou melhor, o personagem Zé do Caixão, era uma das pessoas mais famosas do Brasil, tanto que sobreviveram fotos suas ao lado de Roberto Carlos e Pelé, até que a TV Bandeirantes o contratou para um programa semanal, em que contava histórias de terror. Na TV, ele reproduziu seus testes de coragem, nos quais colocava sapos ou escorpiões passeando em cima de moças de calcinha e sutiã.”
Boca do lixo
O jornalista Urbano Martins, que durante décadas foi o editor do Jornal da Ipanema (FM 91.1Mhz) e hoje mantém o programa Olho Vivo, no Portal Ipanema, que iniciou sua carreira na área de comunicação fazendo roteiros na Boca do Lixo, no anos 60, chegando a fazer pontas em alguns filmes daquela época, não conviveu com Zé do Caixão, “mas sempre cruzava com ele no Bar do Português, tradicional, que reunia os atores, produtores etc do cinema da Boca do Lixo. Era gente boa e muito divertido. Para o teste de escolha do elenco feminino de um de seus filmes ele colocou aranhas (de verdade) na barriga das meninas. Só que eram aranhas, digamos, “treinadas” e não representavam perigo algum. Só não avisou as candidatas”.
Tim Burton era fã
Mojica fez mais de 40 filmes e com o roteiro de “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”, que com a história de um coveiro do interior que desprezava as pessoas de fé, comia carne na sexta-feira santa e aterrorizava a cidade em busca de uma mulher que lhe gerasse um filho perfeito, ele criava o Zé do Caixão, o primeiro personagem de terror do cinema brasileiro.
Finotti conta que “nos anos 1990, Mojica foi descoberto nos Estados Unidos, com o lançamento de diversas obras por uma distribuidora de terror. Lá, ficou conhecido como Coffin Joe. Joe Kane, crítico de filmes de horror, elegeu Zé do Caixão como “a maior descoberta do gênero na década de 90”, no seu guia The Phantom of the Movies’ Videoscope, lançado em 2000”. Entre seus fãs, “estava o americano Tim Burton, conhecido, entre outros por ‘O Estranho Mundo de Jack’ e ‘Edward Mãos de Tesoura’. Burton disse, segundo o biógrafo Finotti, que os filmes de Mojica “ficaram na minha mente, como se fossem pesadelos. Mas bons pesadelos”.
Demorei a entender
Eu não gosto e nunca gostei de filmes de terror. Sempre achei um entretenimento desconectado da psique (nome dado pelos antigos gregos ao conceito que definia o auto, abrangendo as ideias modernas de alma, ego, mente e espírito).
O Zé do Caixão, neste sentido, não me significava nada, especialmente na segunda metade dos anos 80. Em 1985, aos 17 anos, eu cursava o 1º ano da faculdade de Jornalismo e – como disse duas postagens atrás, fazia bico nos finais de semana em Sorocaba no Bar Depois – estava no auge da arrogância juvenil. Só fazia sentido para mim o que estava conectado ao mundo real.
Foi no Bar Depois que Gai Sang, então editor do caderno de Cultura do jornal Cruzeiro do Sul, me apresentou Jairo Ferreira, crítico de cinema, cineasta, ator, fotógrafo de cena e jornalista. Para dizer o mínimo, Jairo Ferreira é um nome imprescindível do cinema dito experimental brasileiro. Jairo cunhou o termo “Cinema de Invenção”, a partir do pensamento do poeta norte-americano Ezra Pound (“inventores são homens que descobriram um novo processo ou cuja obra nos dá o primeiro exemplo conhecido de um processo”), para referir-se a criadores como Júlio Bressane, Rogério Sganzerla, Carlos Reichenbach.
Pois bem, com minha vasta bagagem cinematográfica (não enchia nem o bolso traseiro da minha calça) me lembro de desancar Zé do Caixão naquele papo de bar. E, didaticamente, Jairo com seu jeito de falar mansamente me deu uma aula sobre o “Cinema Marginal”. Ele entendia que “Marginal” era uma redução de um movimento que não estava contra o Cinema Novo, mas buscava a invenção formal e de experimentação de um novo tipo de cinema. E, contava Jairo, Mojica estava nesse movimento que também foi chamado de “Cinema Poesia” (por Júlio Bressane); por “Udigrúdi” (avacalhação do Underground americano inventada por Glauber Rocha); ou “Cinema de Invenção” (esse criado por Jairo Ferreira).
Esse movimento teve uma relevante produção à margem do cinema brasileiro do período e do seu contexto: um país marcado pela guerrilha urbana em resposta àquele que foi o período mais sangrento da ditadura.
Zé do Caixão se enquadra neste contexto. Os censores do Regime Militar perceberam a força de seus filmes, da personagem e passaram a perseguir Mojica apontando o dedo a ele como sendo um dos “subversivos” a serem combatidos.
Na mesa do Bar Depois, o generoso Jairo Ferreira me ajudou a compreender o cinema daquele movimento, do qual Zé do Caixão era seguramente o mais popular, como substrato fundamental da cultura pop que atingia a massa, principalmente, através da música. Uma aula que se tornou livro: “Cinema de Invenção”, lançado no ano seguinte, em 1986, daquele papo no Depois. O livro ainda hoje é referência a quem deseja entender aquele momento, aquele movimento de cinema, e a cultura nacional enquanto identidade de uma nação.