Circulou com grande frequência na semana passada nas redes sociais (Whattsapp e Facebook) um vídeo ancorado por Marcelo Tas (famoso por personagens como Ernesto Varela, Professor Tibúrcio e apresentador do extinto CQC e hoje de Provocações) onde ele apresenta a cidade de Sorocaba.
O vídeo, que pode ser visto no YouTube (https://youtu.be/1ATSBhgz_rE), tem uma falha brutal: apenas nos segundos finais dos quase 10 minutos de gravação se descobre que ele faz parte de um projeto da concessionária de rodovias CCR, a dona da Viaoeste, a empresa que desde 1996 cobra pedágio para fazer a manutenção da Castello Branco, por exemplo, no trecho que passa por Sorocaba tanto no sentido São Paulo quanto Tatuí e para duplicar o caminho Sorocaba a São Paulo e nunca acaba.
O vídeo é um jeito de estereotipar quem somos. A narrativa faz um evidente esforço para tentar nos agradar, em dizer como nós, sorocabanos, somos privilegiados por termos mais de 100km de ciclovias. Não há nenhuma discussão, apenas o relato e piadas com o ciclista misterioso ou o ciclista regador.
As pessoas com as quais conversei sobre o vídeo gostaram do que viram. A maioria, asseguro, gostou. Ou seja, a maioria se identificou com as brincadeiras com alguns dos cacoetes de nossa fala, como orrrna, com o R bem puxado.
Na apresentação do projeto, para a revista Live Marketing, em agosto passado, o Grupo CCR revela que junto dos seus parceiros criou “uma iniciativa inédita que vai descobrir e revelar histórias e personagens inusitados de dez importantes cidades do Estado de São Paulo, entras as quais Barueri, Osasco, Campinas, Sorocaba e muitas outras”. Explica, ainda que “o Projeto Os Movimentos das Cidades terá a parceria da plataforma de jornalismo de dados Virtù News, que ficará responsável pela construção das narrativas; e da Bites, que colaborou com toda a pesquisa e análise de redes”.
Descobrir e revelar? Opa, Sorocaba estava encoberta! Não existia! Precisou da CCR para nos revelar e descobrir…
Está claro que o esforço, repito, em agradar o morador da cidade tema da reportagem. O município de Barueri, na Região Metropolitana de São Paulo, comumente conhecida pelo reduto Alphaville, um refúgio para ricos e famosos, é apresentada como berço de desenvolvimento, atração de investimentos e lar de mais de 28 mil companhias, atraídas sobretudo por sua política de incentivos fiscais: “Barueri sempre foi um microcosmo dentro de São Paulo”. Os exemplos seguem, Campinas é apresentada por ter papel central na produção científica brasileira; Sorocaba, outro efervescente polo industrial e tecnológico – também chamada de a Manchester Brasileira –, revelou-se uma das cidades com melhor qualidade de vida no Estado de São Paulo que tem em seu DNA, desde os tropeiros, a questão logística e da mobilidade.
O projeto “Os Movimentos das Cidades” não se intimida em ser pretensioso e, ao mesmo tempo, puxar a brasa para sua sardinha mostrando como a infraestrutura de mobilidade existente hoje (a que a CCR fez,obviamente) no entorno desses municípios (onde a patrocinadora do projeto, a CCR, atua) tem papel estratégico na sua formação e na sua relevância socioeconômica.
É constrangedor!
De acordo com o Diretor de Comunicação, Marketing e Sustentabilidade do Grupo CCR, Tonico Pereira, segundo o relato dado por ele para a revista Live Marketing, “a iniciativa busca um novo olhar sobre como a mobilidade está integrada à dinâmica das cidades. Falamos em Movimentos das Cidades porque é isso que entregamos com nossos investimentos em nossas geografias ampliadas: oportunidades, qualidade de vida, geração de renda e muito mais oportunidades. Nossa assinatura como empresa é Viva seu Caminho. Queremos cada vez mais aproximar as pessoas das estórias e suas identidades e culturas”.
Marcelo Tas, líder da comunicação do projeto, em sua fala publicada na revista Live Marketing, deixa claro que a narrativa dos vídeos é para quem não é das cidades que estão sendo abordadas: “Estou aprendendo muito sobre as fascinantes e pouco conhecidas origens das cidades que pensava que conhecia. Vamos encarar com bom humor a ignorância que ainda existe sobre o interior de São Paulo e desmistificar os preconceitos. Tenho me surpreendido com alguns dados, por exemplo: Osasco é o 2º PIB do estado com um polo robusto de statups inovadoras já líderes de mercado; e, Louveira- 3º PIB per capita do país, um polo logístico, com taxa alfabetização acima de 90%”, revela Tas.
Minha sensação ao ver o vídeo sobre Sorocaba, que é a cidade onde moro, é o de que apenas com o olhar de fora, o olhar de aprovação dos “senhores” da capital, fosse possível legitimar o que somos. O vídeo é uma espécie de aprovação sobre quem somos, como se precisássemos disso.
Eu sei que a Identidade é uma complexidade formada pelo que as pessoas pensam sobre mim, o que eu penso sobre mim e o que eu penso que as pessoas pensam sobre mim. No caso deste vídeo, estou convicto, me reduziram a um estereótipo. É como se me dissessem ou dissessem sobre mim a quem não me conhece: ele é o caipira que se está dando bem.