O final feliz de uma briga de trânsito hoje, do qual fui testemunha, não é o suficiente para amenizar o pavor pelo qual passei.
Esse é o tipo de fato que exemplifica a complexidade do que é ser humano.
O que vi: eu conduzia meu carro pela rua Moreira César, sentido centro, e me preparava para virar à esquerda e entrar na rua Cesário Mota. O semáforo estava verde para quem ia virar, como eu, ou seguir adiante para virar à direita na Barão de Tatuí ou descer a avenida Juscelino Kubitschek. E quem ia seguir adiante era um motoboy, com a mochila de entrega de comida às suas costas. Para surpresa geral, uma Saveiro branca saiu da calçada de alguma loja e achou que daria tempo de entrar na Cesário Mota. Mas não deu. A moto, que estava na velocidade compatível, buzinou, o motoqueiro berrou, mas a Saveiro não saiu e a moto bateu no carro, às 11h36.
Um parênteses: por que o motociclista não brecou? Eu vi, ele freou, mas a moto não pára instantaneamente. Se o motociclista freasse mais abruptamente, a moto tombaria e ele iria para embaixo de carro. Ele fez o menos perigoso, deixou a moto, mesmo sendo brecada, colidir com o carro. Foi tanto o melhor a ser feito que o choque não foi violento. Tanto que o motociclista saiu andando, sem machucado.
Meu primeiro espanto: o motociclista ficou muito bravo e deixou claro que ele teve medo de morrer. Ele berrava ao motorista da Saveiro: você quase me matou! Você ficou louco! Evidentemente o motociclista estava sob forte emoção e berrava com o motorista.
Meu segundo espanto: o motorista não havia se dado conta de que quase havia matado o motociclista. E ele deixou claro que não concordava com os xingamentos do motociclista e falou alguma coisa, que não ouvi, e ao sair do carro colocou a mão na lateral da porta. Neste momento, o motociclista empurrou a porta do carro contra o motorista, ferindo um pouco acima do nariz, mas mesmo assim ele conseguiu sair do carro.
Meu terceiro espanto: o motorista pegou um facão. Sim uma faca enorme, com uma lâmina seguramente maior do que 50 centímetros e avançou no motociclista que, vendo o perigo, correu para o lado oposto, sempre se protegendo atrás do carro. Os populares se horrorizaram nesta hora: ele tem um facão… ele vai matar o cara… essas eram algumas frases que eu ouvia.
Meu quarto espanto: o amigo do motorista, que estava no banco do passageiro da Saveiro, conseguiu fazer com que o motorista lhe entregasse o facão, mas para surpresa geral o motorista se abaixou dentro do carro e voltou com uma faca, tipo peixeira, e insistia: eu vou matar você. O motorista era só emoção, não conseguia se controlar. Ainda bem que seu amigo estava mais calmo e não foi ajudar seu amigo a pegar o motociclista.
Meu quinto espanto: eu ligava no 190 pelo celular e uma gravação, sem fim, me dava uma série de instruções. Algo absolutamente absurdo. A Polícia Militar tem o dever de ser mais ágil para atender ao telefone.
A confusão era tão grande que duas viaturas apareceram pela rua Moreira César, uma em cada sentido de trânsito. Quatro soldados desceram armados de revólver e com calma dominaram a situação. Até mesmo o motociclista, vítima do motorista, foi deitado no chão. Todos foram revistados. Uma tensão estampada na cara do motorista, motociclista, do amigo do motorista, das pessoas que trabalham nas lojas vizinhas, dos outros motoristas e motociclistas e dos quatro policiais.
Fui embora com um aperto no peito. Com a certeza de que a vida é acidental, incontrolável e imprevisível. Tivesse com um revólver, e não facão, certamente teria ocorrido uma tragédia uma vez que o motorista estava muito nervoso e um tiro, seguramente, teria atingido alguém que não estava envolvido na confusão, mas apenas passava por ali.
Fico pensando em que estão pensando motociclista e motorista agora, quando a adrenalina baixou. Seguramente, eu ao menos pensaria assim, devem estar envergonhados do que protagonizaram e agradecidos por não ter havido morto.