Depois de ter comprado os deputados do Centrão com mais de R$ 3 bilhões, o presidente da República, Jair Bolsonaro, visitou a Câmara no dia seguinte à vitória do seu candidato à presidência da Casa e o que se imaginava apenas festa acabou em constrangimento quando um parlamentar o chamou de genocida. Jair não se aguentou e ao invés de ignorar a provocação, como prega o protocolo, respondeu com algum desaforo e um desafio: em 2022 a gente se encontra.
Hoje, a primeira mensagem que recebi no whatsapp foi de um colega com a página de um jornal italiano, publicada domingo passado, com o título sob a foto de Bolsonaro: “Tem má fama, mas se pode confiar. O duro Bolsonaro faz ressurgir o Brasil”. E esse amigo não resistiu ao seu comentário: “Depois do desastre socialista, em menos de um ano o governo fez a economia crescer 2%”.
Estes dois fatos me fizeram lembrar de um filme que vi na noite de terça-feira e outro na noite de quarta-feira na Netflix.
O primeiro é uma adaptação de um livro e manteve o mesmo nome: “O Tigre Branco”, onde o autor, o protagonista Aravind Adiga, relata o trajeto que percorreu para subir na vida e conseguir se tornar alguém importante no cenário nacional da Índia. Após humilhações dentro de sua casta, dos seus patrões e do governo corrupto, ele mata seu patrão e classifica o seu ato como um ação de empreendedorismo. A história poderia se chamar O Galinheiro (quem ver o filme vai entender o motivo), embora o mais correto seja mesmo “O Tigre Branco”, um bicho raro que nasce apenas um por geração. O fim do filme é tenebroso: ao virar patrão, ele trata seus empregados do mesmo modo como era tratado. É o tal “sistema”.
O segundo filme, “I Am – Você tem o poder de mudar o mundo”, é um documentário reflexivo do cineasta Tom Shadyac, diretor de besteirol como Ace Ventura e outros com Jim Carrey. Depois de ganhar muito dinheiro com este tipo de filme, levando milhões de pessoas em todo mundo a assistir seus filmes, Shadyac sofre um acidente com bicicleta e como consequência passa a ver que não fica mais feliz com mais dinheiro que ele ganha. E decide, então, conversar com filósofos, educadores e líderes espirituais sobre as aflições do mundo e como transformá-lo em um lugar melhor. Se descobre, por exemplo, um outro lado do darwinismo, o de que a natureza humana não é o da competição, o do massacre do mais fraco, mas o da colaboração. Além disso, é engraçado ver seus entrevistados, como Noam Chomsky, Marc Ian Barasch, Coleman Barks, Tom Shadyac, Desmond Tutu, Howard Zinn nunca terem ouvido falar dos seus filmes.
Mas por quê me lembrei dos filmes após tais fatos, devem estar se perguntando? Porque diariamente somos levados a crer que o importante é ter ou parecer ter. Somos transformados em consumidores, apenas. A existência se resume ao acúmulo de propriedades, de somas maiores de riquezas, de possuir os últimos modelos quando, simplesmente, as pessoas poderiam apenas querer ser feliz. A sociedade idolatra quem vence, apenas. O derrotado é execrado, apesar de sua trajetória para chegar à decisão que glorifica o campeão.
Esse meu amigo vê e glorifica o Bolsonaro da reportagem do jornal italiano, pois como proprietário de imóveis comerciais e residências ele ganha dinheiro com o que recebe dos seus inquilinos. Ele é feliz por sua posição de dinheiro e o que ele consegue com isso: viagens, boa bebida, boa comida, moto e nenhuma preocupação com o final do mês. Ele é “O Tigre Branco” que, como se vê no documentário “I Am – Você tem o poder de mudar o mundo”, é apenas alguém que se desloca do bando, deixa de colaborar, e individualiza as conquistas.
“O Tigre Branco” é a realidade nua a crua de Bolsonaro e seus adoradores; “I Am – Você tem o poder de mudar o mundo” não passa de uma utopia.