Há um pouco da Vila Santana nas pratas olímpicas do skate

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As duas medalhas de pratas para o Brasil logo na estreia do skate street numa Olímpiada, como aconteceu neste final de semana em Tóquio 2020, estão carregadas de simbolismo por esta prática ter sido proibida, por decreto, na cidade de São Paulo por Jânio Quadros no final dos anos 80.

Mas bem antes disso, no final dos anos 70, a Vila Santana em Sorocaba já era um reduto de adolescentes que descobriam o prazer de voar em cima de uma pequena prancha de madeira.

No começo, cada skate era um pedaço de tábua com rodinhas adaptadas de patins. Depois, alguém que vinha de viagem passou a trazer as rodas de poliuretano com seus eixos flexíveis.

Havia dois craques do skate naquela época.

Um deles era o Vicentinho, o menos ajuizado. Me lembro dele descer a rua João Nascimento para fazer a curva a sua direita para a rua Moreira Cabral em altíssima velocidade e sem cair. Adrenalina pura. Um dia ele teve a “idéia” de fazer uma traquinagem, mas não combinou com todos. E ele fez o seguinte: quando o ônibus da Vima, o Circular 16, desceu a João Nascimento ele também desceu e no momento da curva ele bateu com as mãos na lateral do ônibus, provocando um barulho como se ele tivesse sido atropelado. O motorista, me lembro bem, entrou em desespero. O ônibus ficou trancando a rua. Veio carro de polícia. Havia um medo exagerado. Era tempos de silêncio. E Vicentinho ousou cutucar o sistema.

O outro craque é o que saiu na capa do Diário de Sorocaba (imagem que ilustra essa minha publicação), jornal que estampou sua habilidade de colocar um skate em cima do outro e subir neles com os pés para cima. Sempre essa exibição arrancava um ohhh de admiração dos presentes. Esse era não só mais tímido, era mais ajuizado também. Trata-se de José Mauro Benette, o filho do meio da dona Eda e seo Batista, meu irmão. Como caçula, eu admirava tudo o que ele fazia e não eram poucas as suas habilidades. Ele jogava bem xadrez, tênis e como goleiro. Desenhava e pintava com muito talento. Fazia objetos com o uso de madeira. Desfazia aqueles nós de metal como ninguém. E tinha uma caligrafia das mais elogiosas quando escrevia. Hoje é talentoso médico anestesista na Santa Casa de Sorocaba.

Hoje pela manhã, mandei uma mensagem ao meu irmão: As medalhas nasceram ali!

E não foi apenas um carinho de um irmão com o outro. As medalhas de Kelvin Hoefler e Rayssa Leal carregam a história construída nos últimos 45 anos no Brasil por pessoas, como o meu irmão, que respeitaram o skate e souberam domá-lo. Por pessoas como o meu sobrinho Diego, filho da minha irmã Eloíse, que aprenderam na ética deste esporte e das amizades que ele propícia a se entender, crescer e construir a sua vida. Em nome do Mauro, Vicentinho, Diego e das dezenas de meninos que nos anos 70 incluíram este esporte em nossas vidas fica aqui o registro do orgulho das pratas de Kelvin e Rayssa.

FOTO: Reprodução de matéria de capa do jornal Diário de Sorocaba do ano de 1977, um ano a menos ou a mais. Eu estava assistindo essa exibição e meu irmão Mauro é quem está descendo a rua São Bento, esquina com Barão do Rio Branco no centro de Sorocaba. O registro é do fotógrafo Luisão (Luís de Paula), me diz o repórter fotográfico Epitácio Pessoa. “Foi meu professor, o melhor fotógrafo de Sorocaba”, enfatiza Pita.

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