O comerciante Márcio Viana Pinheiro, 53 anos, ficou conhecido nas últimas semanas após um jovem publicar em sua rede social a foto da placa que ele colocou na porta da sua adega, localizada na Zona Norte de Sorocaba, cobrando os caloteiros, ou seja, as pessoas que compraram fiado dele ao longo desse ano e não pagaram a conta. Os valores variam entre R$ 95,00 e R$ 10,00 e a soma total chega perto dos R$ 2,4 mil.
Ao ler este fato, me lembrei quando meu pai fechou o bar que ele manteve na entrada de casa na Vila Santana, em 1974, eu tinha apenas 7 anos de idade. Me lembro do Guarda-Livros (nome como se chamava antigamente o contador) no fechamento da empresa querendo saber o que meu pai iria fazer com os caloteiros.
Ele não fez nada.
Em 1974, era um momento de tanto temor de tudo, de tensão, de silêncio, que me lembro da minha mãe me proibindo de falar que eu havia visto o caderno com o nome dos devedores. Muitos deles pais dos meus amigos da rua.
Há anos penso em abrir um bar onde eu possa oferecer o prato do dia como carro chefe, um prato que vai variar diariamente de acordo com o que o açougueiro, peixeiro, verdureiro tiver de mais fresco e em conta. Não sei se há essa cultura entre os sorocabanos, mas ela é muito comum em locais turísticos e me agrada. Mas, sigo apenas pensando. Meu amigo Bento, já falecido, um dos personagens do meu livro “Minuto de Silêncio”, sempre que me encontrava me cobrava: e a Cantina Benette? Ainda é só um sonho.
Nunca perguntei para a Cris se depois de 30 anos, quando ela fechou o bar Arara Aurora havia uma lista de caloteiros. Fico torcendo para que o Will, grande empreendedor da revista Ego, que faz colunismo social há uns 40 anos, se dê bem em seu recém aberto Carlota, um gastro-bar que ele abriu na casa em que sua avó morou até os 80 anos de idade na rua Paulo Eiró na Vila Haro. Torço igualmente para que Teylor Soares (a quem eu carinhosamente chamo de Cabelo, fotógrafo com quem tive a honra de trabalhar no extingo jornal Bom Dia e que esteve na linha de fundo do campo La Bombonera em Buenos Aires, quando o Corinthians foi campeão da Libertadores da América, aparecendo em toda imagem do jogo ao vivo na TV) se dê bem com seu Artero Boteco e Barber Beer que ele abriu na ruía Olavo Bilac na Vila Santana.
Apesar do mundo virtual ter o espaço que tem hoje em dia na vida de qualquer pessoa, é o mundo real que ainda faz sentido. E o bar, neste mundo real, na nossa cultura, ainda tem a mesma importância que a igreja, por exemplo. Se na igreja as pessoas se encontram para compartilhar sua fé, seu deus, sua religião, no bar ela encontra as pessoas para se conectar com sonhos, ilusões, histórias dando um tempero especial para a vida.
Mundo afora, Ernest Hemingway, James Joyce, César Aira são escritores famosos que imortalizaram os bares. Aqui em Sorocaba, eu tive a chance de beber com alguns ícones como Ari Madureira, no Armazém; Armando Oliveira Lima no Depois; Pardal no Lagartão… Me lembro de muito jovem, de encontros ranzinzas com os aspirantes a escritores Carlos Araújo, Rubens Pellini Filho, João Alvarenga, Alfredo khede num bar que havia na praça da bandeira, outro no fim da rua Souza Pereira…
Viva a cultura do bar!