Eu fiquei muito constrangido ao ler comentários nas redes sociais de pessoas que eu, de alguma forma, conheci ao longo da vida a respeito do ataque da Rússia sobre a Ucrânia. Todas essas opiniões se baseavam na premissa de que Putin acordou de ovo virado na quarta-feira e pensou: vou começar uma guerra.
Não foi assim.
Pense a seguinte situação. Você mora há muitos anos numa casa cercada por grandes áreas na extrema periferia da sua cidade. Depois de suas terras, não existe mais nada. Foi assim por muito tempo até que por razões que não cabem discutir aqui você decide lotear sua terra. Mas, ao fazer isso, deixa bem claro algumas condições como, por exemplo, só poderão ser construídas no local casas e sobrados, não edifícios. Tudo anda bem por anos, até que a pessoa que loteou começou a receber propostas para construir um conjunto de edifícios no local. Você, então, faz valer a origem do contrato e, mais, decide ampliar esse contrato com novas normas e cláusulas. Tudo fica bem. Mas o dono que comprou a área, desgostoso por não poder fazer edifícios ali, decide vender e um novo proprietário então fica com o local. Passado um ano, esse novo comprador, incentivado por investidores, decide afrontar o dono da terra e começa a se movimentar dando a entender que iria construir edifícios no local. Esse dono recebe uma advertência. Seus incentivadores, que investem na rebeldia do novo dono, também são avisados. E as obras seguem. Chegou num ponto que o dono afirma para o novo dono e seus investidores: chega! O dono e seus investidores pensam: ele está blefando. E o dono pega seus trabalhadores e tratores e invade o território, destruindo os alicerces do que viria a ser edifício. O dono, assustado, pede socorro aos investidores e eles, cautelosos, afirmam: não podemos brigar, o risco é grande, se vire.
Bom, foi isso que a Rússia fez com a Ucrânia nesta semana. A Ucrânia, incentivada pelos Estados Unidos e Grã-Bretanha, os cabeças da Otan (Organização de Países aliados que se autoprotegem), decidiu não cumprir os acordos firmados em 2014 com a Rússia no que diz respeito a não ser membro da Otan, não se transformar numa base atômica militar, enfim, não ser uma ameaça à Rússia. Se imaginava que a pressão internacional evitaria o conflito. Não evitou.
Agora, resta juízo aos Estados Unidos e Grã-Bretanha no sentido de não excluir a Rússia das negociações em dólar. Essa é a única sanção que afetaria a Rússia de verdade. O problema é que afetaria o mundo uma vez que a China, o maior negociador de mercadorias do Planeta, é aliada da Rússia. O dólar, hoje poderoso, correria o risco da noite para o dia de não passar de um papel velho como são os jornais de ontem.
O argumento do presidente ucraniano de que essa história da invasão da Ucrânia é apenas a primeira invasão e depois virão outras, até que se forme novamente a União Soviética, é apenas história, por enquanto. Essa história de que Hitler primeiro invadiu a Áustria e ninguém reclamou e depois ele avançou… blá-blá-blá é igualmente apenas história, por enquanto.
Se você que leu até aqui vê alguma lógica na ação de Putin, imagine ir mais longe. Que o dono da terra loteada sejam os povos originais, como os índios no Brasil. Você segue achando lógico? Você acha que os indígenas deveriam pegar o Brasil de volta para eles?
Eu sou contra qualquer guerra (inclusive essa da Rússia contra a Ucrânia) porque é o cidadão inocente que leva a pior sempre. Putin é inescrupuloso, radical e insano. E provou isso ao atacar. Seu papel como líder é, ou deveria ser, o de sentar e fazer valer o que ele entende que seja o correto. O Biden, em baixa popularidade nos Estados Unidos, usou a Ucrânia (cujo os eleitores delegaram a um palhaço o comando do país) para provocar a Rússia e surgir como peça-chave na resolução do problema. Para Biden, o importante é parecer que se deu bem. Para Putin, pode parecer que se deu mal desde que na prática ele se dê bem. Ou seja, os interesses dos dois vão convergir.
Então, ficamos assim: Putin não acordou de ovo virado.