Padre Júlio Lancelotti é a mais combativa personalidade brasileira no que diz respeito a defesa dos mais necessitados, aqueles que estão em extrema situação de vulnerabilidade, que no geral vivem na rua ou do que a rua lhes dá. Aumentou o número de pessoas que o conhecem depois que reportagem o mostrou com um martelo na mão tentando retirar milhares de paralelepípedos que a Prefeitura de São Paulo colocou embaixo de um viaduto paulistano para que moradores de rua não se concentrassem ali. Recentemente, ao lado de Eduardo Suplicy, senador por São Paulo por mais de décadas, e de Dráuzio Varela, médico do Fantástico da Rede Globo e palestrante, padre Júlio apareceu como um influencer das redes das redes sociais com mais de 70 anos. Minha mulher é uma de suas seguidoras.
No sábado à noite, padre Júlio postou em seu Instagram a imagem que ilustra essa publicação informando que se tratava de Sorocaba. Em minutos haviam mais de 500 visualizações. Em uma hora eram mais de 1 mil. Depois 2 mil e nem sei quantas pessoas viram até agora, manhã de segunda-feira, quando escrevo essa postagem.
O horror da ameaça do cartaz, a pessoa que dormir na marquise do referido bar corre o risco de ser incendiada, dominou os milhares de comentários. Do compartilhamento de minha mulher a postagem de padre Júlio sucederam novos comentários e compartilhamentos, muitos endereçados à vereadora Fernanda Garcia do PSOL e ao ex-deputado estadual Raul Marcelo, afim de que eles tomem providências contra o dono do estabelecimento.
Justo isso tudo! Que os donos de mandato, com assessoria jurídica e dinheiro para acessar o Poder Judiciário, invistam na denúncia do nome do estabelecimento, do seu dono e da ideologia por trás dessa ameaça.
O que não é justo e me incomoda é o teor de muitos dos comentários sobre o referido cartaz. Pessoas que deixaram de lado o horror da ameaça contida nele e centraram sua voz (que é o que eles pensam e, portanto, lhe são mais importante) no fato de ter sido em Sorocaba que este fato (o que mostra o cartaz) existe. Então falaram de sua vergonha de Sorocaba, de que a cidade aparece no noticiário de âmbito nacional apenas com atrocidades como essa, de que foi aqui que Bolsonaro teve sua maior votação (em termos de porcentagem), de que aqui existe o pior tipo de pessoa e por aí vão as manifestações. Uma mulher tentou defender a cidade e foi achincalhada.
Me senti, ao ouvir tais relatos sobre Sorocaba, como imagino que se sinta o cidadão russo porque o presidente do seu país, um crápula, invadiu a Ucrânia, começado uma guerra, e perdido qualquer razão, por esse ato, que pudesse ter para estar em conflito com a Ucrânia. Me senti como imagino que se sinta o russo que vê o mundo cancelando Tolstói, Dostoiévski, Maiakovski… Não há sentido achincalhar os russos porque um imbecil começou uma guerra, assim como não há em achincalhar Sorocaba porque um idiota colocou um cartaz ameaçando colocar fogo num morador de rua.
Como outra cidade qualquer, Sorocaba tem seus defeitos e suas qualidades. Não há defeito que destrua suas qualidades e nem qualidades que façam desaparecer seus defeitos.
Essas confusões (achincalhar Sorocaba e cancelar os autores russos) dizem muito sobre as pessoas e também do nosso tempo.