Em branco não sai: um olhar semiótico sobre o jornal impresso diário,
de Djalma L. Benette. São Paulo: Códex, 2002. 125 p.

Resumo O livro de Djalma Benette faz um estudo semiótico do jornal impresso diário a partir de uma perspectiva peirciana e da semiótica da cultura, oferecendo uma excelente contribuição para a compreensão das dimensões discursivas da imprensa e de seus condicionantes sociológicos.
Palavras-chave imprensa, jornalismo, semiótica da cultura.

Abstract Djalma Benette’s book approaches the daily printed press from the point of view of Charles S. Peirce´s semiotics and that of the Semiotic of Culture, thus offering an excellent contribution to the understanding of the discursive dimensions of the press and its sociological conditionings.
Key words press, journalism, semiotic culture.

É um dado animador saber que a imprensa está sob a mira de um volume sempre crescente de estudos. Embora essa afirmação aparentemente disponha de uma lógica óbvia quaisquer que sejam as variáveis que a construam — já que a quantidade maior de pesquisas sobre a imprensa decorre de sua própria dimensão na sociedade contemporânea —, o fato é que essa não é uma constatação que leva em conta apenas seu aspecto quantitativo, mas em especial a qualidade das análises que, no âmbito desses estudos, têm permitido que a área acadêmica e a Dispositivos Semióticos do Jornalismo área profissional ligadas ao jornalismo disponham de um verdadeiro arsenal crítico em torno dos elementos essenciais que fundam o processo de veiculação de notícias e reportagens. A rigor, é graças a isso que “a organização social do poder simbólico” de que nos fala John B. Thompson quando analisa o papel da mídia na modernidade, transparece não como um processo naturalizado mas como um espaço de conflito e uma instância de poder e, nessa medida, pleno de contradições que deixam distantes as antigas pretensões de um código objetivo da narração jornalística do mundo.

O trabalho de Djalma Benette, originalmente apresentado como dissertação de mestrado ao programa de Comunicação e Semiótica da PUC-SP, vem, em boa hora, alimentar o debate que decorre do acúmulo de perspectivas que as pesquisas sobre a imprensa e o jornalismo têm permitido. Dispondo de uma boa articulação teórico-conceitual originada na semiótica peirciana e na semiótica da cultura, o livro recupera o jornal impresso diário (JID) como signo que compõe o universo da cultura e cujo conteúdo, como resultado de uma narrativa demarcada socialmente, está localizado numa cadeia de procedimentos que se expressa na sequência “história, mediação e recriação da realidade noticiada”. Segundo Benette, “a edição de um dia é consequência da edição anterior” (p. 12), mas é também a expressão do jornal como “mediador entre o que um leitor sabe sobre o que o jornal traz (…) e o que de fato esses assuntos são” (idem), culminando com a constatação de que “no jornal não está expressa a realidade, a verdade (…), mas ‘a circunstância nova’ de um fato…” (idem).

Para demonstrar essa seqüência, o autor, em primeiro lugar, contextualiza o espaço ocupado pelo jornal impresso enquanto mídia. Benette quantifica, localiza e avalia o entrecruzamento de possibilidades que esse veículo atravessa sob o impacto das tecnologias digitais. Associa a esses dados, todos muito objetivos e circunstanciadamente auxiliares do leitor do texto, indicativos da estrutura empresarial e financeira que dá suporte ao JID e garante que o entendimento da complexidade de seu objeto está assegurado a partir do conjunto de variáveis que formariam “os níveis de pressão” articulados no veículo. Na verdade, uma teia de instâncias e espaços, todos atravessados por interesses que se reproduzem da mesma forma que em todas as demais relações sociais. É no limite desse conjunto, no entanto, que Benette vai identificar o núcleo de sua análise: o local onde se pratica o jornalismo; um departamento específico e, não mais do que aparentemente, dissociado dos demais departamentos da empresa jornalística.

Essa linha de interpretação permite que a obra esteja entre aquelas que, de forma mais consistente, têm abandonado deliberadamente a “descrição do jornal em sua materialidade de papel, seu formato, sua diagramação”1 em troca de um mergulho sobre seus conteúdos, inclusive aqueles ocultos na aparência da existência física de um veículo. É de Mouillaud a indicação de que esses dois níveis de “suporte” de um jornal — que denominaríamos de físico e lógico — não são dicotômicos2 ; ao contrário: existem atrelados a uma identidade cultural que, como se pode perceber no trabalho de Benette, se traduz em signos; um dispositivo semiótico que se constata em enunciados presentes nos espaços ocupados pela descrição do mundo e pela discursividade que o jornal produz em cada uma de suas edições.

No entanto, antes de ser um tratado academicista sobre o tema e antes também de que possa ser percebido como um exercício de desconstrução do jornalismo, o livro de Benette aproxima-se de uma descrição bastante objetiva de todas as etapas que compõem o exercício da atividade noticiosa, sem perder de vista o eixo principal da proposta, isto é, a dimensão semiótica de cada uma delas. É dessa forma, portanto, que o autor interpreta os gêneros do JID, suas possibilidades de diagramação, sua natureza industrial, sua tematização e sua inserção no mercado de bens simbólicos em que consagra como valor de capital (de troca) e valor de uso, a exemplo do que já havia feito Ciro Marcondes Filho em O capital da notícia3.

A resposta à indagação sugerida pelo título da obra — o que é que é publicado, afinal, no JID? — vem por
meio desse conjunto de perspectivas, todas elas abrigadas “num mesmo sistema organizado” (p. 41) que permite aos indivíduos estabelecer uma relação social codificada na experiência jornalística. Segundo Benette, “o jornal se expressa numa organização específica que necessita ser dominada por quem o consome a fim de que exista significação” (p. 43), fundado “numa única fonte geradora de sentido: a notícia” (p. 47).

Em branco não sai constitui-se numa excelente contribuição para o entendimento do jornalismo a partir de uma perspectiva que recusa o “positivismo” muito freqüente nos estudos sobre a imprensa. Ainda que se possa questionar algum excesso de didatismo de que o autor lançou mão para formular suas reflexões, o trabalho amplia os horizontes da pesquisa no campo da Comunicação e permite que se conclua sua leitura com uma sensação de que os processos midiáticos vão deixando de ser, mais rápido do que se imagina, a efígie da modernidade.

  1. Maurice Mouillaud e Sérgio Porto (org). O jornal, da forma ao sentido. Brasília: Paralelo, 1997, p.
    27.
  2. Idem, ibidem.
  3. Ciro Marcondes Filho. O capital da notícia: jornalismo como produção social de segunda natureza.
    São Paulo: Ática, 1989.

J.S. FARO é docente do programa de pós-graduação da UMESP; professor do curso de Jornalismo da PUC-SP

Resenha agendada em agosto de 2003 e aprovada em fevereiro de 2004.