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Uma senhora e eu frequentamos os mesmos lugares há anos: Porquilo, Real, Tauste, Sesc… 

Ela sempre está acompanhada do seu marido. Nos cumprimentamos como pessoas que estão no mesmo lugar. Somos estranhos um ao outro, não sabemos nossos nomes, muito menos nossos candidatos.

Há dez anos eu já achava que ela estava na casa dos 80 anos. Hoje eu a encontrei e acho que ela está com a mesma idade. Talvez seja sua postura. Ou o mesmo peso, ela é muito magra. Ou a elegância. Suas roupas têm caimento, são bem passadas, as cores combinam inclusive com seus sapatos. 

Ela sempre está perfumada, com maquiagem, cabelo bem penteado, parece que saiu de um salão de beleza. 

Ela puxa papo com todos. É muito querida. No caixa, ela chegou quando eu estava saindo e a moça a cumprimentou com intimidade e carinho lhe fazendo uma pergunta: Não trouxe a neta? E ela: Nesse horário está na escola… mas deixa eu te contar… ela dormiu em casa hoje, agarradinha comigo na minha cama. O avô, e olhou para o marido que estava tirando a compra do carrinho e colocando na esteira, dormiu na sala. E ela, num tom animado, completou: Tenho que aproveitar, como se estivesse se justificando.

Então pensei, ela sabe que seu fim está próximo. Mas não era nada disso e o motivo ficou evidente quando ela concluiu o seu raciocínio: Tenho que aproveitar enquanto ela é pequena e gosta de me visitar. As outras netas têm 37 e 39 anos e não ligam mais pra mim…

Era claro o lamento em seu tom de voz. Ao menos assim eu interpretei.

Quando não se é algo, não se está numa condição de julgar esse algo, mas se houver disposição, é possível imaginar o que é ser, estar, ter ou parecer esse algo. Eu apenas imaginava o que era a velhice. Agora eu começo a vivencia-la. Não que eu esteja nela, pois tenho 55 anos e nem de ônibus ando de graça ainda. Mas é claro que estou na porta e isso fica evidente pela ausência de oportunidades de trabalho, pela flacidez da minha pele, pela letargia de minhas articulações e por recorrentes episódios que nunca ocorreram comigo e eu odiava quando acontecia com alguém próximo: Derrubar coisas.

O que tem acontecido: O fio dental (não um pedaço, mas a embalagem) caiu dentro da privada do banheiro; a taça de gim quebrou dentro da pia quando estava lavando louça; a jarra que levo água para o cachorro simplesmente caiu de minha mão, ainda bem que era de plástico e estava no quintal; o livro que havia acabado de ler ficou tão na ponta da mesinha de cabeceira que teve o chão como destino; o carregador de celular, que agora tiro da tomada após o uso, pulou de minhas mãos num mergulho suicida e se partiu, ficando imprestável; os quatro comprimidos que tomo para o coração deram para escapulir e me resta levar um a um à boca… e o mais humilhante é o molho de macarrão. Sempre achei um absurdo sujar a roupa com ele. Dia desses, bem uma hora depois do almoço, vejo um rastro de molho em minha camisa. Nem mesmo na hora que me lambuzei eu percebi, apenas o signo (com todo simbolismo daquele molho, com o ícone de uma mudança, com o sinal de que é preciso eu me preparar) de que eu não sou mais o mesmo, embora seja eu mesmo o mesmo. Ou penso que sou, apesar das evidências. 

Quando minha amiga elegante, sempre acompanhada do marido, passou a perceber que algo nela havia mudado? Essa pergunta me ocorre. A resposta pouco importa, pois ela não muda o fato, o início de um novo ciclo.

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