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Eu saí da banca de pastel na manhã deste domingo com a sensação de que não tinha acontecido nada. Como nada havia acontecido nos domingos anteriores. 

Mas uma espécie de consciência retardada me fez perceber que não foi bem assim…

Primeiramente meu pastel (que na verdade é um enroladinho, a massa dobrada, um retângulo mais estreito que um pastel normal, recheado com uma mistura de carne de boi moída com purê de batata e cheiro verde) estava com pequenas bolhas e mais moreno e crocante que nas vezes anteriores. Estava com a cara do pastel da tia Júlia, da Iládia. Quando eu era pequeno, para onde minha mãe ia me levava junto, ela não tinha alternativa. E guardo na minha memória acontecimentos desses “passeios”. Em 1972, aos 5 anos, um domingo, Emerson Fittipaldi se tornou campeão mundial de F-1 e eu estava, com minha mãe, na casa da tia Cema. Iládia, Cema, Júlia, Teresinha, Regina, filha da tia Cema… eram todas primas da minha mãe ou amigas da infância dela em Laranjal Paulista e Cerquilho. Elas também vieram a Sorocaba acompanhando os maridos que buscavam um bom emprego. Ser da Sorocabana, a estrada de ferro, era garantia de abundância…

Eu perdido nessas lembranças, com o pastel em minha mão, com a aparência do pastel da Júlia, da Iládia, “acordo” com um cachorro parado diante de mim com o olhar fixo em meu pastel.

Éramos os dois com o olhar perdido no pastel. 

Era um beagle marrom. Parecido com o Snoopy das tirinhas, apesar da cor diferente entre eles. Seria ele, como o Snoopy, um não-animal? Teria ele memória de algum momento de sua vida como eu tive da minha? 

Aquele cachorro ali na banca de pastel era um ser estranho para o ambiente. Então, instintivamente, levantei minha perna direita e soltei um grunhido querendo dizer sai… O beagle não se abalou. Nem piscou ou se mexeu.

Mas a Meire, dona da barraca, me olhou pelo canto do olho, olhar de desaprovação. E se dirigiu ao cachorro com um pedaço de pastel lhe dizendo, toda meiga, aquela vozinha que os adultos empregam ao se dirigirem às crianças: Está com fome ainda… ele não quis repartir o dele com você… E, falando com o cachorro, ela me olhava de canto de olho.

Saboriei meu enroladinho inteirinho e sem dar um teco pra ninguém. 

E pedi outro…

Dessa vez, sem bolhas na massa, e nem tão moreno, aquele pastel (enroladinho) não me lembrou nada. Falei para o João: Esse não ficou como o anterior, pururuca.

Então, Gabriel, que hoje é atendente, mas era o fritador no lugar do João, se interpôs na conversa e falou: A gente não sabe porque alguns ficam assim. É sorte. Você ganhou na loteria…

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