Sensação estranha

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Quando esqueci meu celular no banco do táxi em Buenos Aires, em novembro passado, perdi muito mais do que o aparelho. Perdi fotos, histórias, textos, pequenas anotações e contatos…

Um desses é o de uma amiga da Turquia que se mudou para São Paulo há 25 anos e conheci em setembro do ano passado na rede social.

Ela veio para trabalhar e, com o passar dos anos, se tornou uma requisitada gerente de camareiras em hotéis de alto padrão.

Minha curiosidade sobre o acontece em hotéis é algo inexplicável. E ela me contou algumas histórias hilariantes, tipo um arrumador que prestava “serviços” particulares a hóspedes, independentemente da orientação sexual. Claro que isso é prostituição, é proibido e o rapaz foi demitido.

A literatura turca foi outro ponto que reforçou nosso contato. É uma paixão que tenho e foi surpreendentemente legal eu ter acabado de ler o livro “Uma Sensação Estranha”, de Orhan Pamuk, a tradução evidentemente, ao mesmo tempo que ela também, mas na sua língua. Uma experiência que nunca eu tinha vivenciado, nem em situação contrária. A foto que estampa a capa da edição turca está como imagem interna na edição brasileira (publicada acima). É o vendedor de boza, o narrador do lindo romance. Minha amiga deu outra tradução em português, que perdi junto do celular, e não me lembro qual é, mas que faz mais sentido que esse de sensação estranha. Só soube disso porque trocamos fotos de nossos livros. 

Falávamos também de comida, claro! Eu tenho todo interesse no que as pessoas cozinham e a forma que lidam com os alimentos. E ela mantinha viva a culinária de sua origem cozinhando aos menos duas vezes na semana pratos típicos de seu país em seu apartamento em São Paulo. 

Eu sempre lhe perguntava algo, isso eu sei fazer, e ela me contava histórias de sua mãe, irmãos, tias, avós… gente que ainda vive na Turquia. Desejo muito que ainda vivam…

Em dezembro, seu irmão viria para passar com ela as festas de final de ano. Não sei se veio.

Quem é ela?

Simplesmente não consigo me lembrar do seu nome. Coisa doida, mas não consigo lembrar… Tenho a imagem do seu rosto na minha memória, mas o nome não vem à minha mente.

Na minha cabeça, ela é apenas a mãe da Duda, sua filha adolescente que neste ano termina o Ensino Médio e deseja entrar na faculdade de Medicina. Ela é vizinha do casal que imigrou de Portugal há muitos anos e ajudava, ainda ajuda, ela ao cuidar da Duda enquanto ela sai para trabalhar. É a ex-esposa de um brasileiro, que foi a falência com seu café, de quem se separou a tempo de evitar que as desavenças chegassem em agressão física. Ela é uma mulher que conta histórias…

O modo como eu conversava com ela ficou perdido no banco traseiro do táxi portenho. Não acho nada no histórico do meu Facebook e meu histórico no WhatsApp não mais existia quando reiniciei no novo aparelho… Em nossa última conversa, lhe disse que iria viajar e na volta voltaríamos a falar. Eu fiquei sem ter como retomar o contato e ela nunca mais o fez. De modo que nunca mais nos falamos. Ela é alguém de quem não me lembrava mais. Essa condição mudou desde segunda-feira pela manhã quando vi o noticiário sobre o terremoto que já havia contabilizado mais de 10 mil mortes na Turquia e Síria. Estou solidário com a dor da mãe da Duda. Sei que ela está sofrendo. É uma pessoa do bem, que exala empatia. Espero que seus parentes estejam todos vivos.

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