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Ainda resta um mês, talvez mais, até que a decisão judicial que determinou a falência da Livraria Cultura signifique o fechamento definitivo da loja, uma referência da cultura brasileira no coração da avenida Paulista, no prédio do Conjunto Nacional, onde um dia foi a sala de cinema Odeon.

Este é apenas o desfecho de um processo que é consequência de um outro. Ou seja, a justiça só age quando se mexe no bolso de alguém. É o que acontece agora, os gestores da Cultura contraíram mercadorias (principalmente livros) e não pagaram por elas, o que levou seus fornecedores (principalmente editoras) a entrar na justiça para receber. Há, ainda, uma dívida trabalhista com funcionários assalariados que se sentiram lesados em algum momento. 

Mas, penso eu, em meio a erros empresariais que, estou convencido, foram cometidos, há um processo anterior, ou seja, o desmantelamento da educação e cultura do país numa acelerada desqualificação da leitura. Um processo iniciado com a ditadura militar, nos anos 60, que destruiu o modelo de escola então existente, e que continuou na reabertura democrática nos anos 80 cujo os governos democráticos pouco ou nada fizeram para resgatar a escola pública de qualidade ou a educação para a leitura.

Todos incentivos governamentais se voltaram, primeiramente, à TV e, neste século 21, à Internet. O brasileiro é refém dessa realidade. Até mesmo no WhatsApp prefere gravar um áudio do que escrever ou, evidentemente, ler. Somos uma nação com clara incapacidade de interpretação de texto. Até mesmo de um mero informativo. E isso é fruto da falta de leitura.

É, enfim, esse o motivo principal da falência da Cultura agora, pois antes já haviam fechado as portas megalojas como Fnac, Saraiva, além das outras menores. Enquanto na Espanha e México é política de governo valorizar o idioma e língua, aqui os anglicismos e americanismos são dominantes. Até mereceu, dia desses, uma intervenção digital da atriz Dib, ex-Ratimbum, pedindo respeito asvéia de tantos termos de língua inglesa incorporados no nosso linguajar cotidiano. 

Sem leitores, não há livros que se mantenham em pé. E dos leitores que existem, e evidentemente eles são muitos, boa parcela, na qual me incluo, viu despencar seu poder de compra nos últimos três anos, ou seja, eu virei comprador de livros usados, deixando de ser cliente de uma Cultura, por exemplo… Dessa realidade, tornada pública nessa quinta-feira, o que me espanta é o cinismo de gente chorando o fechamento da Cultura como se, algum dia, tivesse comprado lá um livro sequer ao longo de um ano inteiro. O que só comprova que ser ou ter (questões dos clássicos) ficou para trás, somos gente que valoriza o parecer, ou seja, não importa o que eu seja, mas sim a minha aparência. Não importa que eu não compre livros, e muito menos os leia, desde que achem que eu me importo com isso. É a democracia em risco!

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