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Meu pai era açougueiro e seu estabelecimento ficava no paredão da Light, mas em casa, na Vila Santana, ficava outro comércio seu, um bar, cuidado por minha mãe e meu irmão do meio nos períodos da manhã e tarde.

O movimento mais forte era no fim da tarde, quando meu pai chegava do açougue e as pessoas saiam do trabalho, especialmente operários da Estrada de Ferro e da Companhia de Estamparia. Durante duas ou três horas, cerveja, pinga, rabo de galo… eram vendidos à rodo. O que fosse colocado na estufa de salgados também ia embora, principalmente a pizza, uma invenção de minha mãe que nunca vi igual, massa que levava pinga e recheio quase vegano. Quase porque junto do tomate, cebola e pimentão, às vezes, também tinha sardinha e um parmesão. Era assada numa forma própria para a boca do fogão.

A atração do bar era os próprios fregueses. Um local onde eles tinham a chance de falar. O ambiente de fábrica é carregado demais. É comum passar oito horas mudo, só atento à máquina. No bar, com a ajuda do álcool, todos relaxavam e chegavam em casa mais leves. Era uma espécie de terapia coletiva. 

No centro do salão do bar, que não tinha mesas e nem cadeiras, o que obrigava as pessoas a se falarem em pé e quando o cansaço batesse fossem pra casa, havia uma mesa de bilhar. Não havia ficha, o que é comum hoje em dia. Não sei como, e se, era cobrado para jogar ali. Havia uma única regra: Era proibido jogar à dinheiro. Uma regra de minha mãe e aceita pelo meu pai. Isso evitava a atração de jogadores profissionais que, malandramente, se faziam de idiotas para rapelar os ingênuos no final.

Era um bar do bem, raramente aparecia ali algum estranho. Eram pessoas da vizinhança.

Anos depois, quando eu fui para a faculdade e me batia uma melancolia, eu adorava ir num salão de sinuca que funcionava num casarão antigo no centro de Campinas. Não era um lugar de estudantes, mas de malandragem, onde rolava solto o jogo profissional. O clima do lugar (meia luz, mau-humor, fumaça…) me atraia embora eu não fumasse, nem fizesse apostas e nem falasse com ninguém. Eu gostava de ver as pessoas, o comportamento delas e quando diziam algo, sim era um ambiente de competição e relativo silêncio, eu prestava atenção. 

Hoje, muito raramente, vou num lugar desses. A não ser que seja um convite de meu amigo Paulo Dias, entendido do assunto como poucos no Brasil… Aí não resisto. Vou… Mesmo nos dias de hoje onde meu bem-estar é o ambiente de casa…

Por que me lembro disso tudo? 

Para, em vão, tentar entender a chacina de Sinop. Não consigo. Esses dois assassinos me despertam sentimentos cujo o perdão, mesmo que fiquem 30 anos na cela de uma cadeia, nunca chegará. Nada, nada, nada justifica a matança que Edgar e Ezequias cometeram.

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Na última terça-feira (21 de fevereiro), dois homens mataram sete pessoas – incluindo uma adolescente de 12 anos – em um bar no município de Sinop, no Mato Grosso.

Os homens, identificados como Edgar Ricardo de Oliveira, de 30 anos, e Ezequias Souza Ribeiro, de 27 anos, estavam jogando sinuca com as vítimas e teriam perdido uma quantia significativa de dinheiro no jogo.

Após a dupla ser alvo de piadas, os dois foram embora em uma caminhonete branca e retornaram armados com uma pistola 380 e uma espingarda calibre 12. As vítimas então foram colocadas contra uma das paredes do estabelecimento e receberam os disparos.

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