Eu me emocionei há duas semanas quando contei a uma amiga uma situação que havia vivido na barraca do seo Zé, na feira, onde ele vende as bananas e cebolas que planta há mais de quarenta anos, numa cidade do Vale do Ribeira que nunca me lembro o nome.
Seo Zé passou a me cumprimentar com aperto de mão toda vez que chego na sua barraca depois que nos conhecemos um pouco. Isso ocorreu há um ano, na época que se começava a falar de eleição, onde lhe expliquei porque entendia que o governo da época não era bom. Ele, que conhecia um pouco da família do então presidente ali naquela zona perdida do Estado de São Paulo, concordou comigo. Nós nos simpatizamos.
Pois há duas semanas o seo Zé virou para mim e disse:
Você viu esse negrinho (sic) que saiu daqui?
Eu respondi que não tinha notado porque estava equilibrando minha caixa e não havia prestado atenção.
Ele explicou: Há dez anos ele chegou aqui raquítico. Ele não falava português. Ninguém entendia nada. Nem seu nome a gente entendia. Aí eu passei a chamar ele de Júlio. Era o nome mais parecido com o qual ele disse ser o dele. O Júlio comia as bananas que eu dava. E foi aprendendo a falar e o caso, Deda, (ele usou o vocativo pra chamar a atenção ao que ele ia dizer) é que hoje ele tem 68 funcionários e 10 carros desses da Volks com caçambinha.
Nossa seo Zé, o que ele fez?
Ele é do Haiti e trabalhou seo Deda. Guardou tudo, economizou…
Mas ele faz o que seo Zé?
É construtor…
Que ótimo seo Zé… Foi o que tive capacidade de dizer.
Minha emoção com a história do haitiano (em números oficiais são mais de 3 mil haitianos que vieram morar em Sorocaba, a maioria na construção civil) tinha alguma lacuna que só percebi ao relatar o caso à minha amiga que me chamou a atenção: Você está emocionado com essa história!?
De fato eu estava. E me perguntei o motivo por uns dias. Não sei bem a resposta, mas é o quanto me vi nela. É apenas 1 entre 3 mil haitianos que foi “bem-sucedido”. Da operária Vila Santana, dez, vinte… furaram a bolha?
Se minha emoção é legítima por me identificar com Júlio, ela não pode me iludir. A realidade é que Júlio é apenas mais um caso raro de sucesso erroneamente usado para falar por grupos inteiros. É um critério falso para validar a premissa da meritocracia, o que significa isentar governantes de suas obrigações e, pior, muito pior, responsabilizar os próprios indivíduos pela desigualdade em que vivem.
Pensando em termos matemáticos, Júlio é a exceção que confirma a regra.
Pensando em termos sociais, fico imaginando o custo do “sucesso” de Júlio na informalidade em que “empregou” os seus compatriotas, na concorrência com os construtores que pagaram impostos nesses dez anos, nos “espertos” que contrataram Júlio…