Não me lembro de ninguém cantando para mim “Boi, boi, boi/ Boi da cara preta/
Pega esse menino que tem medo de careta”, mas imagino que essa tenha sido a primeira música que ouvi na vida.
No parquinho, onde fui por dois anos, aos 4 e 5, pois aos 6 e meio já estava na primeira série, quando completei 7 no meio do ano, tinha uma banda. O instrumento mais nobre, ao menos eu achava isso, era o bumbo. Eu nunca cheguei a tocá-lo.
Não foi por maldade da tia Marina, tenho certeza que esse era seu nome, mas nem tanto, que nunca toquei. Foi prudência.
Eu podia tocar Prato e Triângulo. Os dois eram de metal. O primeiro consistia em bater um no outro. Independentemente da força, eles não quebravam. O segundo, em marretar uma varinha dentro do Triângulo. Também nunca se estragaria.
Eu era um desastre. Eu não sentia a música. Eu não ouvia o que meus amiguinhos faziam. Eu queria bater, bater, bater… com força.
Tinha a Escola de samba do Vadeco, mas a mim ela era limitada a olhar. Eram homens, não me lembro de mulher alguma, tirando ritmo dos instrumentos.
Depois me lembro de uma vitrolinha portátil do Carlinhos, meu amigo da Vila Santana, acho que era azul, mas poderia ser laranja. Enfim. Não me lembro das músicas que saiam dali.
Tinham as músicas das missas, cujo as letras podiam ser lidas no caderno distribuído antes de começar. Mas, com exceção de uma ou outra, não me entusiasmava.
Depois fui pra fanfarra. Nunca nem cheguei perto do repique, a nobreza, e fiquei limitado a zabumba e a ordem do maestro Paulo Sérgio para saber quando soltar a baqueta para aquele “pum” insosso. No conjunto poderia ter algum sentido, mas eu não tinha essa capacidade de compreensão.
Adorava os bailinhos e dançar “lenta” que era o nome que se dava a música onde o corpo da menina e menino se aproximavam. Eram músicas cantadas em inglês e eu nunca sabia do que se tratava.
Tinham o Carnaval… Tinha o Alcyr Black Power domingo à noite no Recreativo… Teve um disco do Peter Frampton que recebi diretamente da Califórnia do meu primo Miguel, que acabou ficando paraplégico ao mergulhar numa piscina.
Falando assim, parece que a música nunca me significou nada. O que não é verdade.
A música que me tocava, e hipnotizava, estava nos desenhos animados da TV. Eu odiava a rotina de Tom e Jerry, sempre com o gato se estrepando, mas amava a sua música. Eu esperava o sábado para ver Disneylândia, pois tinha música que eu gostava.
Até que um dia. Era um sábado. No Jornal Hoje, da TV Globo, uma reportagem mostrou um grupo de Jazz. Foi algo tão profundo. Me marcou. Fiquei com aquele registro dentro de mim… Eu devia ter 14 anos.
Só morando em república, na faculdade, poucos anos depois, eu tive um verdadeiro encontro com a música. A chamada Música Antiga (Telemann, Bach…), as Sinfônicas (Stravinsky, Rachamaninov…), o Jazz (o clarinete de Goodman, o sopro de Armstrong, a voz de Bilky Holiday…), a Bossa Nova (Tom Jobim, João Gilberto…), a Tropicália (Caetano, Gil…), a MPB (Chico, Luiz Melodia …), a Vanguarda Paulista (Itamar Assunpção, Arrigo Barnabé…) E fui mais feliz. Me lembro disso para contribuir na celebração do Dia Internacional do Jazz, neste 30 de Abril, data instituída pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) “para destacar o jazz e seu papel diplomático de unir as pessoas em todos os cantos do globo”.