Minha mãe e eu

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Meu pai ficava fora de casa o tempo todo. Ele saia toda manhã bem cedo, muitas vezes quando ainda estava escuro. Ia ao seu trabalho no açougue. De volta pra casa, estava sempre cansado e disposto a comer, ver TV, tomar banho, dormir.

Meus irmãos, cada um com sua vida, estavam sempre de saída. Minha mãe e o cachorro, não. Sempre estavam em casa. Minha mãe na cozinha. O cachorro, no quintal. Um não gostava muito do outro. O cachorro era gosto do meu pai. Os passarinhos também. Já as plantas, não. Eram do gosto da mãe.

Neste entra e sai os anos se passaram.

Pouco, bem pouco, se falava lá em casa. Não se contavam os segredos. Pelo menos não ao alcance dos meus ouvidos. Minha mãe, como uma sentinela, sempre de plantão, era ouvido para todos e mesmo que ninguém falasse, ela descobria os segredos. Até mesmo os maiores deles, as angústias de cada um. Sempre, lá na casa, todos escondiam suas tristezas. Não era, mas parecia ser proibido não estar de bem com a vida. Então, silêncio. A amargura era íntima. E por isso mais dura. Mas só sei disso agora.

Desse modo, minha mãe era o eixo da casa. Minha mãe, em essência, segurava todos em família. 

Lá na casa, o olhar que saia das expressões de minha mãe dizia mais que qualquer palavra. Ela sabia, e bem, falar. Mas a precisa imprecisão do olhar dela comunicava muito mais o que ela queria dizer. Eram expressões que estavam muito além de qualquer palavra e significavam o que ela queria dizer no contexto da história de cada um de nós, os seus filhos.

Os olhares imperativos da minha mãe impediam reações. Não havia como não perder a razão diante de tamanha subjetividade. Eu tinha medo da minha mãe! Medo de que ela descobrisse o que esteve embaixo da máscara que eu construí para estar neste mundo.

Com a minha mãe eu podia tudo. Ela era meu alvo sem risco. Ela me olhava e me enxergava. Havia confiança em nós. Minha mãe, a vida toda, esteve envolvida, o tempo todo, em interpretar. Em compreender os acontecimentos de um dia. De todos os dias. Minha mãe morreu no dia 5 de agosto de 2014. E segue muito viva em mim.

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