Minha mãe tinha um humor bem peculiar e dificilmente ela estava macambusa, quieta ou na dela.
Com cinco filhos, isso seria quase impossível tamanho a demanda com os afazeres de comida, roupa lavada, limpeza… e o acolhimento emocional. Ela tinha ouvidos, ombros e palavras não apenas para nós, de dentro de casa, mas para a vizinhança inteira.
Minha mãe era um imã e adorava a dedicação dispensada a todos. Meu pai nunca entendeu isso e amolava demais ela. Nada que a impedisse de ser quem ela era.
Esse cotidiano frenético teve uma brusca freada quando ela chegou perto de seus 55 anos de idade, portanto 30 antes dela morrer aos 85.
Eu fui o último filho a ir embora, tinha 17 anos e fui fazer faculdade em Campinas. Ela já tinha netos, o que é bem diferente de filho.
Na sua nova vida, o que mais me chamou a atenção foi ela ter incluído livros em seu cotidiano. Ela tinha suas coisas da igreja, fazia tricô e crochê, via novela… e incluiu livros.
Ela não gostava de romance, poesia, aventura. Ela gostava de biografias e romance histórico de personagens católicos que lhe deixassem um recado sobre a vida de alguém ou de um período histórico.
Eu lhe dei muito menos livros do que ela merecia por pura arrogância e teimosia minha. Eu lhe levava livros que ela não queria. Eu estava em processo de rompimento com a fé, crença, igreja e impôr minha visão de mundo era uma forma de lhe dizer isso. Não conseguia falar de outra forma.
Hoje percebo que fui pedante em vários momentos ao ficar lhe cutucando para me dizer o que estava achando de determinado livro.
Era como se eu a pressionasse, como se ela fosse fazer “prova do livro”, uma das maiores imbecilidades que havia no hoje chamado ensino fundamental. Ela não gostava que eu fizesse isso. Mas na minha arrogância eu a desrespeitei em mais de um momento.
Um dia ela me disse que queria ter sido freira e que não foi porque a mãe dela, minha vó Joana, não havia deixado. Ela nunca quis conversar sobre esse assunto, mas nunca o esqueci.
Eu me comportei com a minha mãe na fase madura dela, no início da minha vida adulta, com soberba. Eu não lhe contava mais nada.
Eu queria ser uma mosquinha para estar lá na hora e ver… me dizia ela quando eu não tinha paciência para lhe contar alguma coisa na qual eu estava presente e ela tinha interesse em saber.
Eu estava sempre irritado e com pressa no relacionamento com a minha mãe em sua fase madura, ou na fase de que eu não mais precisava dos cuidados dela.
Não lhe demonstrei devidamente a gratidão que sinto por tudo… tudo que fui, me tornei e sou. Sem a mãe que tive, e vive em mim, eu teria sido outro. Seguramente pior. Muito dificilmente, melhor.