Sem histórias 

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Eu não tenho história alguma com José Celso Martinez Corrêa morto na manhã de quinta-feira em consequência dos ferimentos do incêndio em seu quarto, enquanto dormia, provocado por um aquecedor portátil.

Zé Celso tinha 86 anos de idade e 65 dedicado ao Teatro Oficina que sedimentou o movimento Tropicália e se inovou durante todas essas décadas sendo inspiração contínua a diferentes gerações de pessoas do mundo das artes. 

Sua perseverança chamou a atenção de pessoas de outras áreas, pessoas essas que veem a arte como um desperdício. Essa força ética e moral é a marca de Zé Celso. 

O anúncio de sua morte causou comoção no meio cultural. A cada 10 minutos alguém postava uma história marcante em sua vida vivenciada com Zé Celso.

Um ator contou como ele pedia para olhar nos olhos dele durante um ensaio;

Um diretor que sentou na assistência no piso em que se desenrolava Os Sertões e foi puxado para dentro da cena;

Um professor que viu ele sair da plateia de uma conferência, subir no palco e pegar no pau do palestrante;

Uma mãe contando que o filho está atuando na última montagem do Zé;

Um pesquisador contando os bastidores de um dia de entrevista com o Zé onde colhia informações para a biografia que escreve sobre ele;

Uma atriz famosa atualmente confessando que aos 18 anos recusou um papel na peça Lulu porque teve medo;

Um ator de novelas, teatro e cinema, militante, lembrando quando o torturador se aproximou do Zé, ele, ao invés de lamurias e suplicas por clemência, em alto e bom som disse: “venha com esses seus choques elétricos! Eu tenho tesão por eles!” Era o Zé Celso afrontando o braço perverso da ditadura;

Um psicanalista contou de sua vivência quando Zé Celso apresentou algum espetáculo em Sorocaba, fato para mim completamente desconhecido. Certamente eu deveria estar fora cidade quando isso ocorreu…

Enfim, não tenho nenhuma história para contar. Nem dessa passagem dele por aqui.

A arte é antes de qualquer coisa a dedicação de alguém para colocar projetos em pé. É preciso estar constantemente apaixonado. Não há lugar para depressão. Zé Celso, o ser público, era energia em estado puro. Do ser privado… nada sei.

Não cabe a mim falar sobre a importância de Zé Celso à cultura, pois muitos se dedicaram a essa tarefa com maestria. Se alguém busca essa resposta, basta uma simples pesquisa e obterá o que deseja.

Queria contar da relação de meu grande amigo, falecido há alguns anos, com Zé Celso. Ambos nasceram em Araraquara, terra de outros famosos como o goleiro Abelha e o escritor Inácio de Loyola Brandão (que foi na escola com Zé Celso quando tinham 6 anos, foram amigos por mais de 80 e fez a mais linda homenagem ao amigo). Mas não sei nem se eles chegaram a falar que nasceram na mesma cidade.

Vejo um vácuo em mim por não ter me imiscuido (qual a grafia correta deste tempo verbal?) “no mundo” do Zé Celso. Esse mundo expansivamente enaltecido no dia do anúncio de sua morte.

Eu entrevistei o Antônio Abujamra e nas vezes em que nos encontramos ele sempre foi muito carinhoso comigo. Eu entrevistei Cacá Rosset que levou ao extremo comédias de Shakespeare. Eu entrevistei Antunes Filho que teve paciência em debater comigo, um simples interiorano. Mas uma das grandes falhas de minha formação foi nunca ter procurado Zé Celso. Apenas mais uma para a soma de tantas outras.

Sou apenas um homem sem histórias com o Zé Celso.

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