Minha adolescência 

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A morte de Milan Kundera aos 94 anos de idade, anunciada nesta quarta-feira, provocou em mim, suponho, o mesmo sentimento de lembrança em milhões (seria exagerado esse número?) de outras pessoas ao redor do mundo. Pessoas que nos últimos 40 anos tomaram algum tipo de contato com o livro “A Insustentável Leveza do Ser”, seguramente o seu livro mais vendido. Aliás, um dos livros mais vendidos de todos os tempos.

Li o livro em 1987 ou 1988, nos anos finais da Faculdade de Jornalismo. Ou seja, li o livro no contexto histórico no qual eu estava inserido o que significa o processo de reabertura política do Brasil, que havia vivido sob duas décadas de ditadura militar, e meu anseio em “mudar o mundo” através do jornalismo. 

Há algo mais ingênuo do que isso!

Assim, sob estas duas influências, para mim “A Insustentável Leveza do Ser” virou um livro que denunciava a falta de liberdade e, pior, a ausência de privacidade de uma nação, no caso a cidade de Praga da então Tchecoslováquia, que era invadida pela força militar da poderosa comunista União Soviética. A perseguição a Tereza por ela simplesmente fazer o seu trabalho, de repórter fotográfica, era algo tocante ao jovem que eu era naquele finalzinho de anos 80.

Quando lançado em filme, “A Insustentável Leveza do Ser” se derreteu no que há de sexual no livro. Na liberdade de Tomás em não domar seu desejo de comer todo mundo (que garoto não se identificava com esse drama?). Na dor de Tereza (que me apresentou Juliette Binoche, por quem me apaixonei) por seu amor não lhe ser fiel ou fiel ao amor deles.

O filme me levou de volta ao livro. E vi nele mais do que o aspecto político que havia visto. Mas nada que fizesse eu torná-lo meu livro de cabeceira como aconteceu com alguns colegas da época. Um amigo via filosofia no livro, outro autoajuda. O que certamente é verdade, pois eles captaram isso naquelas páginas. 

Eu nem sabia que Kundera ainda estava vivo. Ele e minha mãe, que morreu já há 9 anos, nasceram em 1929. Não acompanhei mais seu trabalho. Não me lembro de ter lido qualquer outro livro seu, embora tenha achado entre meus livros um exemplar de “A Identidade”, edição de bolso da Cia das Letras.

So ver tantas postagens de sua morte revivi a importância de “A Insustentável Leveza do Ser” para minha geração quando estávamos no auge da adolescência.

Kundera perdeu a cidadania tcheca ao ser julgado traidor da pátria. Ato corrigido em 2019 quando o governo da atual República Tcheca lhe devolveu o que é fato, a localidade de seu nascimento. Ele agradeceu, mas disse que se sentia francês e sua literatura igualmente é francesa.

Relembrando de tudo isso e do quanto é marcante “A Insustentável Leveza do Ser” penso que o Brasil carece de um livro assim, arrebatador, que envolva a emoção e razão de milhares de leitores, onde cada um lê a si nas páginas escritas, seja política, filosofia, autoajuda, sexo, amor… Faz falta essa literatura que atinja a média de uma nação.

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