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Eu tinha 9 anos e não perdia um capítulo sequer da novela Escrava Isaura que começava as seis horas da tarde. Me lembro de estar dia claro ainda, mas eu largava a brincadeira na rua para ver a novela na sala de casa.

Era uma espécie de masoquismo assistir aquele sofrimento e assustador também. Eu tinha medo.

Uma personagem, eu adorava quando ela aparecia, me tirava o sono. Era a Rosa, má, invejosa com seus olhos esbugalhados.

Como nos desenhos de Tom & Jerry, onde eu esperava que o ratinho se desse mal e não apenas o gato, eu queria ver aquela Rosa ser punida por suas maldades. Mas ela sempre se dava bem. Exceto no final quando ela tomou, sem querer, o veneno que havia preparado à Isaura, a protagonista. 

Rosa era a personagem de Léa Garcia. Hoje, aos 90 anos de idade, no dia de ser homenageada no Festival de Cinema de Gramado, foi anunciada a sua morte. 

Léa tinha todas as qualidades para ser protagonista e fazer qualquer papel, de boa, má, vilã ou mocinha. Ou quase todas. Léa tinha o “defeito” de ser preta. 

Essa situação racista começa a mudar na televisão nesta segunda década do século 21, com atores e atrizes pretas sendo protagonistas, mas essa igualdade era impensável no século 20.

Nunca soube o que Léa pensava sobre essa situação. Certamente ela devia ter muito a dizer. Ela sofreu por ter emprestado seu talento à Rosa tanto que chegou ser agredida por ignorantes que confundem ator e personagem. 

A novela educa. Sempre foi instrumento poderoso num país de dimensão continental e numa época sem rede social. Educa tanto para o bem quanto para o mal.

Léa foi pioneira, uma das primeiras atrizes pretas da TV. Desbravou o caminho longo que ainda está para ser concluído.

Ela está na nossa história e na minha memória para sempre.

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