Meu pai tinha razão

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Uma menina de 6 anos, que ainda não vai à escola, eu sei disso porque lhe perguntei, me parou, entrando na frente do meu carro, quando eu entrava no Pão de Açúcar. Ela apertou o botão da cancela, pegou o tíquete e entregou na minha mão permitindo assim meu acesso ao estacionamento do supermercado. 

Antes que eu acelerasse o carro ela pediu para eu comprar fraldas para o irmão dela. Ele tem um ano, é G, ele faz xixi na calça, ela me disse. 

Você precisa ir à escola, você precisa ser cuidada, você precisa ser amada, você precisa ser acolhida, você precisa que olhem nos seus olhos, você precisa de livros, você precisa de comida, você precisa brincar… porque você é só criança.

Mas eu não falei nada. Só olhei para ela. 

Seus olhos brilharam quando ela viu que havia todinho, bolacha, fraldas na sacolinha que lhe entreguei. Ela olhou, sem falar, como me perguntando se era pra ela. Só assenti com os olhos e um leve movimento da cabeça. Ela me deu um sorriso tão doce, lindo e acolhedor. Eu segurei o choro, mas quando acelerei, sem que ela me visse, desabei…

Quando eu tinha 15 anos, em plena ditadura militar, e me interessava pelo mundo, e achava que a política poderia melhorar a vida das pessoas, me lembro de uma discussão com meu pai e dele me dizer que esse país não tinha jeito. Em 20 anos tudo vai mudar (já se passaram 41), eu lhe disse com veemência. Meu pai riu e hoje sei que foi de minha ingenuidade. Nem em 50, nem em 100 vai mudar, vaticinou ele. Eu esbravejei. Eu tenho certeza, disse. Ele não tinha mais paciência para discutir comigo. 

Eu não tenho nenhuma paciência hoje. Evito as pessoas. E me curvo à percepção de meu pai.

Minha geração piorou o mundo depois da do meu pai. E as seguintes foram ainda mais cruéis. O brasileiro é mal-educado. A música consumida em larga escala, a produzida pela indústria, é lastimável. A literatura é ignorada pela maioria…

Ahhh, o Brasil não é esse da menina de 6 anos que fica esmolando na entrada do supermercado. Você é pessimista. O Brasil é esse onde o desemprego despencou a 7% e o PIB do trimestre cresceu 3,5% nos últimos meses. Esse é também o Brasil, mas não o suficiente para aquela menina. Nem para milhões de tantas outras.

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