Não foi a pior experiência da minha vida ter passado 67 horas sem energia elétrica. Ao contrário, tirando o transtorno de sair de casa e ir a algum lugar público com eletricidade, e tomada, para carregar o celular vi benefícios nesse ambiente anacrônico.
O principal deles foi o silêncio. A casa fica quieta. Não tem geladeira ou boiler se manifestando sem que sejam acionados. Não há som de máquina alguma. Há o apito da chaleira indicando que a água ferveu para o café.
O silêncio que mais gostei foi o da música. Eu fiquei sem a minha, o que é chato. Mas também fiquei sem a dos vizinhos, o que foi uma bênção.
Um cachorro latia aqui e outro, longe, parecia responder. Muito piado diferente, variedade de espécies que eu nem sabia que tinha aqui. Lá longe o galo canta de madrugada, mas também as três da tarde. A noite, uma sinfonia de coaxos. E também de um barulho suponho ser guizos de cobra.
Bem distante, o som do escapamento aberto de uma moto de alguém de baixíssima autoestima, que quer chamar a atenção atrapalhando a vida sossegada de quem queria apenas ouvir o silêncio.
Deito com a janela aberta e aquela moldura traz a natureza exuberante das estrelas, que a luz das coisas não me deixa ver em noites com eletricidade. Se na sexta-feira houve o vento numa velocidade a mais de 150 km/h derrubando um grande galho da árvore da calçada de casa, no sábado o céu não tinha nuvem alguma. Sem luz e sem nuvens o universo, literalmente, se exibiu ao meu olhar.
Em 56 anos, não me lembro de ter me livrado da eletricidade, e toda a gama que ela permite existir, por tantas horas seguidas assim.
Passando na portaria, cujo as cancelas estão levantadas e não se faz necessário eu colocar meu rosto na câmera, a funcionária me pergunta como estou me virando. Eu digo que está sendo boa a experiência. Ela, surpresa, me disse: De cada 100 moradores que passam aqui o senhor é o único que está tirando algo de bom dessa catástrofe. Todos os outros só reclamam.
Não sei se também não iria engrossar o coro dos reclamões se ficasse mais algumas horas sem energia.
Perdi muita comida (carnes, legumes…) Não havia o que fazer.
Do que sinto falta, mesmo, é do leite gelado. Da morgote, laranjas, melancia e abacaxi gelados. Não têm o mesmo sabor em temperatura ambiente.
A roupa já estava acumulando e nem imagino como é lavar no tanque que é como a minha mãe fazia. Roupas dela, meu pai, cinco filhos e lençol e toalha… Que espanto!
Descobri que varrer o chão é das coisas mais difíceis e insanas. Tão difícil que me acidentei prendendo meu dedinho na porta de metal da lavanderia.
É… não dava para ficar sem eletricidade mais. Nem uma hora sequer.
O que será preciso fazer ou acontecer para o Ministério Público mover uma ação contra essa empresa chinesa?
É desoladora a situação. E humilhante o descaso da CPFL.
Ouço que falta material para a manutenção. Desde caminhões sucateados até falta de postes para troca e materiais de EPIs. Falam muito. Pode ser que tenha sido mesmo o tufão bíblico. Mas a comunicação com o cliente, sem dúvida, deixa muito a desejar.
Se esse não for caso de MP… não sei o que é?
PS – Depois que a eletricidade voltou, foram mais 24 horas esperando a Vivo descobrir o motivo de termos ficado sem internet. Um funcionário, dedicado, não foi embora até achar o problema. O que aconteceu já mais de 21h desta terça-feira.