Mudei de barraca de pastel no domingo porque o japonês, dono da barraca, foi viajar e também deu folga para seus funcionários poderem aproveitar um final de semana de janeiro.
Ele percebeu com o tempo que o dinheiro que deixa de ganhar, num final de semana de janeiro, um final de semana por ano, portanto, se reverte em fidelidade, dedicação e assiduidade de seus funcionários ao longo do restante do ano.
Não é uma questão de bondade, mas de ajuste ao seu negócio. Ele só foi viajar (pra praia, claro, que outro destino mais?), porque sua mulher insiste. As pessoas estão assim, ou sempre foram, em relação a ir à praia em janeiro. Se tornou um valor, uma espécie de atributo dos “bem-sucedidos”. Se não for à praia em janeiro você se torna uma espécie de fracassado.
O fato é que fui em outra barraca comer um Kibe, pois o pastel Enroladinho, com sabor da feira da Vila Santana dos anos 70, só tem na barraca desse japonês.
Havia uma fila de 10 pessoas e apenas 1 kibe na estufa. O “meu”. Se ele fosse vendido, eu não iria esperar que fritassem outro. Kibe não é pastel que fica 1 minuto no tacho de óleo quente. Kibe bom é o frito em óleo não muito quente e fica pelo menos 5 minutos. É uma fritura/cozimento.
Faltando três pessoas para minha vez, a fila emperra. Um homem baixo e atarracado, bem forte, pergunta do que que tem. O caixa lhe empurra um pedaço de papel, o cardápio, onde estão escritos os sabores. Os riscados, que já acabaram.
Dois de costela com queijo, um carne seca, um pernil e um palmito, pediu o atarracado. Costela, pernil e carne seca… acabou (sic) disse o caixa e empurrou o cardápio nas mãos do homem. A fila emperrada. Eu olhava “meu” Kibe.
O homem atarracado tenta decifrar o cardápio. E a fila aumenta. Ele olha pro papel em suas mãos, olha pro caixa e olha pra fila. Não se decide. Há uma impaciência. Momento de tensão. E o atarracado grunhe, então: Cinco de carne. O caixa, com paciência, certamente pensando em alguém que não come carne, pergunta: Não vai o de palmito? O atarracado pergunta: Tem? Esse tem…
O atarracado ficou com a senha n°83. Eu peguei meu kibe e não estava na metade, a atendente gritou: Oitenta e três. Gritou mais uma, duas vezes. Eu olhei pra mesa do atarracado. Uma menina, muito magra, de uns 8 anos, calculei, me olhava. Eu apontei pra comanda dela sobre a mesa. Ela pegou, se levantou e quando a atendente se preparava para um novo berro… engoliu o ar e entregou a cesta para a menina.
Ela levou à mesa. Eu não olhei mais pra ela e nem seus dois irmãos. Nem pra sua mãe. Nem pro seu pai.
Fui embora da barraca pensando que eu e aquela família e o cara que passou com sua Lamborguini na avenida da feira estamos na mesma fila, no mesmo mundo.