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Eu corto diariamente o bairro Quintais do Imperador dirigindo meu carro – faço isso há doze anos – e vi a transformação pela qual passou o local, principalmente, depois da pavimentação da Estrada do Ipatinga, ato que transformou o bairro numa importante via de passagem entre as zonas Leste, Oeste e Norte.

Mesmo involuntariamente, eu sei o horário do ônibus escolar, do pico de caminhões, do embalo dos motoqueiros e da ansiedade de acelerar de motoristas que passam pela primeira vez no bairro. É uma via que exige paciência. Dos moradores que viram, sem fazer nada, o local onde moram virar um agitado corredor de tráfego de veículos.

Foi neste contexto que vi algo antigo. Tão antigo que me chamou a atenção: Um homem sentado numa cadeira à porta de uma mercearia, no lado da descida da rua, lendo jornal. Lendo como se lia, com o impresso sobre sua cara.

Quando criança, meu pai assinava o Diário de Sorocaba. O jornal ficava à disposição dos fregueses do bar que havia no cômodo da frente da casa onde morávamos, na esquina das ruas Moreira Cabral com Souza Moraes. Um dia o nome, “Diário de Sorocaba”, veio em azul. Aquilo me encantou. Num mundo preto, branco e cinza, um pouco de azul anunciava inovação.

O jornal diário tinha conectividade com o leitor, ou seja, os assuntos tratados no jornal eram similares ao que as pessoas falavam no bar do meu pai, acontecia nos jogos que ouvíamos no rádio, os artistas que apareciam em programas como a “A Buzina do Chacrinha” cantavam.

O jornal “falava” do que as pessoas falavam e as pessoas falavam do que o “jornal” falava.

Mais tarde, quando fui estudar na faculdade de jornalismo, aprendi que isso se chama Agenda Setting, uma espécie de conjunto de temas a serem tratados sob a técnica jornalística. Ou, dizendo de um modo mais semiótico, o jornal pautava sobre o que as pessoas iam falar. O jornal era “a voz” de uma comunidade.

Num primeiro momento essa lógica se manteve nos anos iniciais do advento das chamadas redes sociais. Logo em seguida, porém, as redes se sobrepuseram ao jornal para, em seguida, serem sobrepostas pelo rádio, TV e o que vivemos agora, um boom de streaming e influencers, ou seja, uma onda de pessoas que são financiadas por empresas para promover seus produtos ou ideologias.

A diferença entre o jornal e as redes/influencers vai além do que o suporte onde a forma e conteúdo circulam. A diferença está no para quem essa “mercadoria” está em circulação. Na mídia tradicional, o leitor tinha clareza e transparência de quem mandava e a quais interesses atendia. Nas redes, isso ficou impossível. Não se sabe em nome de quem o que circula na rede está em circulação, favorecendo ou prejudicando. É uma panaceia que transforma o antigo leitor, alguém com consciência social e bom nível intelectual e que lia jornal, num otário que reproduz bárbaras mentiras como se fosse alguma coisa consistente. É um otário orgulhoso de sua obtusidade.

O “negócio” que sempre foi o que era dito e da forma dita se transformou no volume de tráfego de dados do veículo, no caso, a rede, onde o dono dessas redes obteve, de graça, pessoas escrevendo e lendo. E ganhando rios de dinheiro ao vender seus hábitos, preferências, gostos… para as empresas reais de seus produtos preferidos. Você virou um algoritmo. Muitos nem sabe disso. Quando era leitor, você era cidadão.

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