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Um ex-prefeito clama por um pedido de desculpas dos organizadores das Olimpíadas da França em razão de uma cena que ele viu ser um sacrilégio contra a Santa Ceia, quadro de Leonardo Da Vinci, de Jesus Cristo e seus apóstolos.

Um jornalista, candidato a vereador propagando valores da extrema-direita, diz que essa cena da abertura das Olimpíadas zombou de Deus.

Lideranças cristãs na França e Brasil externam estarem se sentindo ofendida pela cena.

Acredito que seja verdadeiro o sentimento deles. Expressam o que veem. Sentem o que percebem. Pois justamente não é possível dizer sobre o que não sabemos. “Só percebemos o que estamos aptos a perceber” é um dos fundamentos da Semiótica, um dos campos de conhecimento das Ciências Sociais.

Nem o ex-prefeito, nem o candidato a vereador de extrema-direita demonstram conhecer a mitologia grega, elaborada 700 anos antes de Jesus Cristo. Ali está Baco (ou Dionísio), Deus do vinho, da fertilidade, da alegria.

Portanto, os que sabem do mundo apenas o que ocorreu nos últimos 2024 anos acreditaram que a inspiração fosse “A Última Ceia” de Leonardo da Vinci, nem imaginam que exista “O Banquete dos Deuses” de Jan van Bijlert que se passa no Monte Olimpo, onde os deuses estão reunidos para um banquete celebrando o casamento de Tétis e Peleu.

Certamente, sabendo que há um mundo a.C. e tendo informações mínimas sobre ele não haveria motivo para se sentirem ofendidos e, assim, para exigir reparo ou dizer que Deus foi ofendido.

Mas esse não é o caso dos líderes católicos e cristãos, pois para alcançar a liderança é preciso estudar e ter conhecimento. A indignação deles é real. Se dá em especial por seus seguidores que enxergam o que carregam em si. Ninguém quer arriscar a perder essa ovelha de seu rebanho. 

Eu fico constrangido com  o orgulho sentido por algumas pessoas de sua própria ignorância. Pessoas que nunca leram um livro na vida. Pessoas que abominam a literatura. Pessoas que batem no peito externando certezas. Que sentem ser a verdade e a vida, a luz do existir.

Se é Baco, se é Cristo. Se é Da Vinci ou Bijlert o que a cena da abertura das Olimpíadas retratou perdeu a importância diante da guerra santa cultural onde só a guerra é o que importa. E para vencê-la passar vergonha pela própria ignorância se torna apenas um detalhe.

Me lembro de ter publicado, trinta anos atrás, uma crônica de um jornalista que retratava Jesus Cristo como homossexual, morando na rua. Muitos se ofenderam.

O fato é que quando dizemos algo de alguém dizemos muito mais sobre nós mesmos do que sobre esse alguém. O que Pedro diz sobre Paulo diz muito mais sobre Pedro do que de Paulo.

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