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Eu estava com tempo na hora do almoço de sexta-feira e então resolvi pegar um marmitex de pescada no Empório Cupim na avenida Américo Figueiredo. É um ótimo lugar de carne na grelha, mas essa pescada é irresistível. Eu acho.

Eu estava sentado na cadeira da frente, local destinado aos fregueses, mas que me sentei para esperar meu pedido. Eu estava concentrado no movimento de pessoas. Muitas atravessam a cidade para ir comer ali. Os clientes não são os empresários, donos do negócio, mas seus supervisores e gerentes, funcionários do primeiro escalão, que capricham na roupa e sapatos dando a eles próprios a ilusão de que mandam. 

Então, neste contexto, perdido em minhas divagações, ouço uns gritos. E vejo passando por mim o Wilson, o dono do Empório, saindo direto do fogo para a rua. Ele pára na calçada e quando eu me dou conta estou ao seu lado.

E quando me dou conta, novamente, eu já estava sozinho no canteiro central que divide as duas pistas da avenida, de braços erguidos, berrando imperativamente: Chega. Para com essa porra!

Do outro lado da pista, perto da banca de pastel da pracinha espremida entre a avenida e as casas do bairro Júlio de Mesquita, um rapaz de cavanhaque, musculoso, sem barriga, parecendo um atleta, esmurrava um outro homem, aparentando estar mais perto dos 50 anos, careca. Esse homem conseguiu se recuperar do primeiro soco, se levantou e mostrou habilidade para lutar. Se esquivava de socos e conseguiu atingir um pé de ouvido no mais jovem. Naquele balé, o mais velho caiu. E então foi socado, chutado e nocauteado.

Aos meus berros o mais novo se dirigiu a mim, me desafiando: Você está defendendo este filho da puta? 

Eu respondi, de pronto: Não. Tou defendendo vocês dois. Chega dessa merda. 

Então o mais novo me disse: Esse filho da puta está assediando mulher casada, com filho pequeno, marido trabalhador. Esse cara, apontado para o careca que estava cambaleando enquanto tentava se levantar, não presta. 

Eu disse: Não é assim, na porrada, que se resolve isso. 

E ele me falou: Como é então? 

Antes que eu respondesse, o careca estava em pé e começou a atravessar a avenida. O mais jovem o desafiava: Vem cá seu bosta. Reaja. O careca estava com a cara toda ensanguentada e segurava o nariz. Chegou do outro lado da avenida e entrou numa porta. Então eu disse pro cara de cavanhaque: Suma daqui, corra. E ele me falou: Quero que aquele filho da puta vá tomar no cu dele. Então, como despertado de um transe, a macheza do cara de cavanhaque se esvaiu quando eu lhe disse: Ele foi pegar um revólver. No mesmo instante caiu a ficha e o cara de cavanhaque entrou no carro e saiu cantando o pneu. Quando estava de volta, com a arma na mão, o careca não encontrou seu algoz e a pequena multidão começava a se dissipar.

A moça que trabalha no Empório queria detalhes. Eu dei. Então ela falou à patroa que estava no caixa: Foi isso mesmo que ouvi. Ele tava mexendo com mulher casada. O olhar das duas, o tom de voz, o semblante, enfim, minha percepção foi de que elas aprovaram o que tinha acontecido. O careca mereceu. E merecia mais. Tomara que fique com a cara marcada pra nunca se esquecer da surra que levou. Mas pode não ser nada disso. Pode ser uma cumplicidade das duas, tipo, otário, não sabe amar uma mulher discretamente. Eu nunca fui bom em decifrar o que as mulheres dizem. A mensagem delas está nas entrelinhas de suas palavras, olhares, gestos, expressões… É um mistério que não estou nem perto de decifrar.

Então meu marmitex ficou pronto e saí com ela. Parei o carro um pouco adiante e comi embaixo da árvore na praça dos carretos, ouvindo a conversa ao celular, numa chamada de vídeo, de um senhorzinho que discorria sobre as mudanças no tempo e as delícias de uma barriga de porco que ele fez na própria banha do bicho.

Entre um bocado e outro na pescada eu disse a mim mesmo: Você não é mais, mesmo, jornalista. Fosse, teria filmado toda a briga. Teria documentado. Que coisa foi essa de apartar a briga? Então respondi a mim mesmo: Tivesse filmado, tivesse não me envolvido, e nunca ninguém saberia o motivo da briga. Só foi revelado após minha intervenção. A curiosidade sobre a razão ou motivo das coisas é um motivador inato. Há coisas que não mudaram em mim, nem com a idade. Essa é, certamente, uma delas. Prefiro um motivo a um registro; um texto, a uma imagem; um relato, a um vídeo.

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