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Primeiro morreu meu pai. Uma década depois, minha mãe. 

Minha neta que desde bebezinha morava em casa com a mãe dela, se mudou, há dois anos, quando minha filha se casou. Confesso ter sido essa a ruptura mais dura.

Agora o Otávio foi embora, o bordier collier que nasceu em 20 de março de 2020 e desde então estava aqui em casa. Foi embora no final de sábado passado para a casa da Sofia, uma jovem que trabalha num pet shop, adora cachorros e prometeu a mim, e ao Otávio, o que ele merece: Amor, carinho e cuidado. 

Ao deixar o Otávio na casa da Sofia, eu não consegui evitar o choro. Fui patético! 

Fiz moela ao molho no sábado à noite e foi triste ver que não tinha com quem dividir este prato. Pois ninguém mais gosta de moela em casa. O Otávio não rejeitava nada.

No sábado, como prevendo o que estava para acontecer, Otávio levou uma hora, apesar de insistentemente chamado, para vir até mim e colocar a coleira. Nem a salsicha usada como atrativo ele quis. Nunca ele havia recusado uma “porcaria” qualquer.

O mais difícil foi a manhã de domingo. Ao menos para mim. A primeira manhã silenciosa. Os cachorros dos vizinhos latiram à noite, como faziam todos os dias, e não obtiveram retorno. De manhã, eles já sabiam que o Otávio não estava. 

Minha primeira atitude, assim que coloco os pés no chão frio ao sair da cama, é levantar as cortinas e abrir as janelas do quarto. Lá embaixo estava Otávio. Assim que nossos olhares se cruzavam ele latia, latia e latia e dava piruetas em torno de si. Então saia em disparada no seu quintal. Uma hora depois, quando eu já havia tomado banho e passado café, nos encontrávamos novamente, agora em sua casona de alvenaria, onde eu punha sua ração e, sempre, alguma “porcaria” que eu havia reservado de minha comida, apesar dos protestos: Ele só pode comer ração. 

Otávio, como eu, adora espaguetti à bolonhesa. Adora arroz e feijão. Adora ovo, cru ou frito. Adora um osso. Tudo isso com sua ração super Premium. Otávio tem saúde. Tomou todas as vacinas.

Violino, o gato, na manhã de domingo, não esboçou uma única reação com a ausência do Otávio. Miou como mia todos os dias igualmente sem distinguir se é dia de semana ou sábado ou domingo. Roçou-se em minhas pernas enquanto eu pegava a sua ração. E comeu. E foi ao sol. Uma rotina espartana. Como se o Otávio nunca tivesse existido. Gato ingrato. Otávio o protegia e brincava com ele.

Sábado à noite eu fiquei tentado a enviar mensagem à Sofia para saber como Otávio estava. Ele chegou no meio de um churrasco e com casa cheia. Otávio, penso eu, estranhou. Ele passou sua vida vendo de longe outras pessoas. Logo no primeiro dia de casa nova, uma “multidão” o cercava. Certamente se estressou. Domingo, minha vontade de ligar e saber dele persiste. Hoje é segunda-feira e sigo pensando em como ele está.

Logo estarei num apertamento e Otávio não merecia tal sofrimento. 

Se mudar, penso eu, é só consequência de decisões que quando tomadas não levaram em conta este necessário rompimento.

Que Otávio seja feliz com a Sofia! Eu nunca me esquecerei dele, como não me esqueço do Boi, o cachorro que meu pai levou pra casa filhote, quando eu tinha 3 anos, e morreu quando eu já havia ido à faculdade. Morreu de velhice, cego.

Nunca fui de abraçar ou ficar de pegação com cachorro. Sempre foi uma relação mais mental. De tratar bem. De nunca deixar faltar nada. Não sei se isso era suficiente ao Otávio. Que ele possa ficar velhinho com a Sofia. Isso eu lhe fiquei devendo.

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