Em 1989, na primeira vez que voei de São Paulo para Madri, na Espanha, o avião da companhia LanChile oferecia assentos para fumantes e não-fumantes.
O avião é um tubo único e para separar as duas categorias de passageiros havia uma cortina de vento.
O voo, se não for traído pela memória, teve 11 horas de duração. Logo com duas horas de viagem, alguém saiu de sua poltrona de não-fumante e passou para o corredor dos fumantes e acendeu seu cigarro. Eu estava na última poltrona de não-fumante e a cortina de vento, de baixa eficiência, simplesmente se tornou absolutamente ineficaz.
Eu tinha apenas 21 anos, completaria 22 apenas quatro meses depois. Era entusiasmado. Nada me irritava. Bem ao contrário de hoje. Então, mesmo eu não fumando, aquilo não me afetou. Bom, me lembro de ter ficado com o nariz completamente congestionado com a combinação entre ar condicionado e fumaça.
Alguns anos depois o mundo aboliu o cigarro em locais públicos. Houve protestos e reclamações, mas nada demais.
Lembro desse episódio dentro do ônibus da Flix Primar que me levou de Sorocaba a Paraty. Saímos em quatro de Sorocaba e no Terminal Tietê o ônibus ficou lotado.
Ao meu lado um senhor. Eu tenho 57 anos, imagino que ele tenha no mínimo 77. Ele tinha um celular preso numa cordinha que estava pendurada em seu pescoço. Cerca de meia-hora depois, ainda dentro de São Paulo, ele começou a ver um vídeo em seu celular. A receita de como fazer um pão milagroso a quem é diabético. Como eu sei disso? Ouvindo. O senhor tem problema de audição e não usa fone.
Ao contrário daquele menino que eu fui aos 21 anos, agora coisa alguma me entusiasma. Eu primeiro olhei torto para o senhor, mas não resolveu. Então pedi pra ele desligar. Ele ficou absolutamente ofendido. E berrou que ele era livre para ouvir o que quisesse. Eu disse que estava me atrapalhando e ele berrou que eu estava tolhendo a liberdade dele. Ele usava os mesmos argumentos dos que davam continência pra pneu na porta de quartel.
Durante a viagem, eu ajudei esse senhor com seu cinto de segurança e com a porta do banheiro.
O ônibus demorou demais pra chegar. Atrasou quatro horas diante de imprevistos como uma pedrada no parabrisa, neblina na descida da Tamoios, obra e excesso de carros para entrar em Ubatuba. Eu não cheguei em tempo na minha mesa de lançamento de “O Filho do Açougueiro” n Casa Gueto, uma das dezenas de locais que compõem a Festa Literária mais querida do Brasil, a Flip. Isso não impediu que minha editora, Marina Ruivo, falasse sobre meu livro (foto). Mesmo assim ele não encontrou nenhum novo leitor.
Livros cujo a temática envolve racismo de indígenas e pretos ou preconceito de homossexualidade e suas inúmeras letras são os que fazem sucesso.
A verdade é que é preciso “trabalhar” o livro, expressão muito falada pelos editores, para ele encontrar seu leitor. Traduzindo: É preciso promover, falar, expor… seduzir o leitor.
A portuguesa Ana Margarida de Carvalho, uma das convidadas, na mesa n° 8, sob o tema “A paz e o gesto” me chocou ao dizer que um livro para ter sucesso precisa de várias coisas e uma delas a necessidade de seu autor ter charme como cantores famosos têm. Como políticos, têm. É o charme que naturalmente seduz e atrai.
Eu, seguramente, não tenho isso. Muito menos disposição para todo esse marquetingue.