Não estou falando do goleiro que desviou um chute de Diego Souza pelo Vasco e permitiu ao Corinthians o melhor momento de sua centenária história no longínquo ano de 2012.
Estou falando do goleiro do nosso time infantil, quando eu tinha apenas 13 anos de idade. Era o time do Estrada, praticamente, mas estávamos jogando pela escola Genésio Machado. Era final dos Jogos Escolares.
Me lembro muito bem que era um jogo só, disputado no Centro Esportivo Doutor Pitico, o médico de várias gerações que empresta seu nome até hoje a um dos importantes espaços públicos da cidade.
Me lembro que chovia muito, do gramado encharcado e da área do goleiro toda lamacenta. Em campo assim, a bola fica pesada e ganha uma velocidade desproporcional a um dia com Sol.
Qualquer um entende isso. Até o mais perneta de nós. Mas não o Cássio. Ele se comportou como magnânimo, como se sua boa fase pela qual passava aquele campeonato todo fosse suficiente para aquele jogo. Ele dava segurança à zaga, onde eu era o quarto-zagueiro. O time sabia que em caso de necessidade ele estava lá para parar a bola que nós, na linha, não havíamos conseguido impedir de nos ameaçar.
Mas naquela manhã chuvosa Cássio esperou a bola e ela numa velocidade dez, vinte vezes, a mais que o normal, passou pelo meio dele literalmente. Ele demorou a entender o seu frango. Ele deveria ter ido ao encontro da bola. Mas esperou…
Estivesse Sol e nosso time teria vencido com facilidade, mas a água e a lama foram adversários mais fortes.
Que sentimento ruim!
Não queríamos culpar o Cássio, pois sem ele talvez não estivéssemos naquela final. Mas culpamos. Até hoje culpamos…
Até hoje culpo Marcos pela derrota do Palmeiras para o Manchester em 1999 na final daquele Mundial. Que frango!
Não tem como não culpar Weverton pela derrota para o Chelsea quando faltavam 8 minutos para o final do tempo regulamentar. Por adivinhar onde a bola iria e falhar no desvio do imprudente argentino da lateral direita ao não estar lá para evitar a dolorida derrota, pois o time estava melhor e muito provavelmente venceria o time inglês. O time inglês que por fim acabou sendo o campeão mundial de clubes. Um título desenhado para o Palmeiras. Que parou num frango!
Um gol triste. De azar. Um momento que me fez reviver a dor do frango do Cássio de 45 anos atrás. Uma dor que só estava esquecida. E que voltou com o mesmo ímpeto daquele momento.
Nunca mais vi o Cássio depois daquele frango. Na verdade, vi, de longe. Mas nunca falamos sobre o episódio. Faz décadas que não o vejo. Certamente que ao ver o frango do Weverton ele, como eu, reviu o seu. Há dores que nunca esquecemos, apenas nos acostumamos com ela.
Na sua profissão, o que seria um frango?
Um pedreiro cair do alto da escada.
Um editor publicar que há vacina contra o câncer.
Um engenheiro errar o cálculo e a ponte desmoronar.
Um cirurgião esquecer a tesoura dentro da barriga do paciente.
Um padre absolver um pedófilo com dez Ave-Marias e dez Pais-Nossos.
Um feirante entregar frutas podres ao freguês.
Um garçom derrubar a bandeja cheia de comida e bebida.
Qual o frango da sua vida?
A verdade é que somos falíveis e isso acontece, algumas vezes, num momento que desejaríamos que não acontecesse. Num momento único como esses do Cássio, do Marcos e do Weverton.