Individualidade como coletividade 

Compartilhar

Até quando eu tinha entre 10 e 11 anos de idade, por volta de 1977 e 1978, eu dormia por volta das sete da noite. E ia até a manhã seguinte por volta das 6h, 6h30, e ia para a escola. Era uma rotina confortável para mim e imagino que para meus pais e quatro irmãos também. Eu lhes dava sossego. 

Depois dessa idade, gostava de ver novela das seis e sou capaz de dizer uma dúzia delas, quase sempre adaptação de livros de época ou literatura portuguesa. 

Já um pouco mais tarde, passei a ver o Jornal Nacional. Foi muito didático pra mim o noticiário ali exposto. Descobri uma organização de mundo que eu ignorava por completo. Não era apenas entretenimento. Muita gente ainda hoje vê o noticiário como se ali não estivessem vidas humanas.

O que me assustava era quando o ETA matava. Não distinguia o local aonde aqueles carros eram explodidos. A divisão geográfica do mundo ainda era muito abstrata pra mim. Eu sei apenas que tinha medo do ETA. Essa palavra sem sentido lógico, mas representação do que o pré-adolescente que fui tinha medo. Eu rezava para que o ETA não atacasse a Vila Santana ou fizesse mal aos meus amigos, pais e irmãos. (Você rezou por alguma causa tão esdrúxula como essa?)

Tudo isso me veio à mente quando no sebo, semanas atrás, me deparei com “Pátria”, livro espanhol de Fernando Aramburu que se passa numa pequena vila da região basca, berço do ETA. Um livro traduzido para dezenas de países, comprado por mais de 1 milhão de espanhóis e elogiado pelo prêmio Nobel de literatura Mario Vargas Llosa: “Fazia tempo que eu não lia um livro tão convincente e envolvente, concebido com tamanha inteligência”.

Ao final do livro, disse a mim: Concordo plenamente com o Llosa.

A narrativa é alternada entre passado e presente da relação de duas amigas num período de trinta anos. Bittori e Miren. Seus maridos, filhas e filhos. Uma mãe que abraça o extremismo do filho que se engaja no ETA. Uma esposa que perde o marido num atentado do ETA.

O livro dá a medida exata do que é a individualidade como representação da coletividade. Não é a dor de Bittori e Miren que é contada ao leitor, ou pelo menos não só ela. É o sentido de que só é universal aquilo que representa a coletividade. A Pátria nome sem sal para o que é o livro, é o termo que resume a unicidade de toda narrativa. 

Os números do livro falam por si. Adorei lê-lo. Recomendo não só pela história, mas em particular pela forma como ela é narrada.

PS – ETA é Euskadi Ta Askatasuna (em basco: Pátria Basca e Liberdade).

Foi uma organização nacionalista basca que evoluiu para a violência armada e o terrorismo e existiu de 1959 a 2018.

Comentários