Compartilhar

Me surpreendeu ter visto tantos candidatos de cabelos brancos, quanto eu, em minha sala na prova do Enem 2025, pois imaginava que me encontraria apenas com adolescentes recém saídos do Ensino Médio que buscam uma formação profissional para a construção de futuro.

Exatos 20 mulheres e 16 homens estavam em minha sala de exame. Das 36 pessoas, 5 homens tinham cabelos brancos, e aparência de 60 anos ou mais, e sete mulheres com aparência de mais de 60 anos, embora apenas duas tivessem os cabelos brancos, pois cinco haviam pintado, coincidentemente, de vermelho fogo. Dos 24 candidatos restantes, aposto que dez, no máximo, tinham entre 16 e 18 anos e o restante está na faixa dos 25 aos 45. Duas mulheres e um homem eram pretos, um menino tinha feição de japonês, outra de chinesa e uma outra coreana. Haviam ao menos três moças de olhos azuis e cabelos loiros. Dois homens se vestiam, e tinham maquiagem e anéis e brincos, de mulher.

Éramos diversos tipos. Um pequeno retrato de nossa sociedade neste um quarto do século 21 a serem completados em menos de dois meses.

É meu primeiro Enem, mas não meu primeiro vestibular. Entrei na faculdade de jornalismo, na PUC de Campinas, em 1985 com 17 anos e poderia ter cursado a Faculdade Casper Líbero em São Paulo, pois também fui aprovado no exame de admissão. Me lembro de não ter nenhum negro em minha sala de prova e nenhum dos meus colegas de faculdade era negro. Também não haviam tantos candidatos da terceira idade. Em minha sala de faculdade, havia 80 alunos, mas apenas um estava perto dos 60 anos, um médico, que anos depois ficou famoso em sua especialidade e outro na faixa dos 25 anos que também ficou nacionalmente famoso como locutor de futebol no SporTV.

Me lembro também que as provas do meu vestibular de 40 anos atrás não eram tão bem elaboradas quanto a prova de Enem que fiz domingo. Lá era algo voltado para a capacidade de decorar a lição e no Enem o que está em jogo é a capacidade de interpretação e reflexão do candidato ao unir o conteúdo dado em aula com a pergunta da prova. É uma prova extremamente cansativa do ponto de vista físico uma vez que das 90 questões, todas tinham um ou dois textos que precisavam ser lidos para que fosse possível responder a pergunta. Eu, após duas horas de prova, estava exausto.

Aprovei a minha estratégia de ter feito a redação antes de iniciar a resolução das 90 questões. Escrevi as trinta linhas possíveis em menos de uma hora. Foi pedido uma dissertação com o tema sobre a terceira idade. Foram dados cinco textos de apoio sendo dois com dados estatísticos do IBGE, dois com citações de Rita Lee e Fernanda Montenegro sobre a velhice e o último o trecho de uma obra de Clarice Lispector onde a personagem Dona Maria Rita era vista dentro de sua casa como um móvel velho. Eu, particularmente, adorei o tema. Espero uma nota bastante boa nesta redação, já não espero o mesmo das 90 questões. 

Não tenho nenhuma intenção com a nota deste Enem. Eu fui jornalista por 38 anos e há seis meses faço licenciatura em Letras no Instituto Federal de São Paulo com a intenção de me diplomar e prestar concurso para ser professor do Estado. Antes de me formar, certamente já estarei aposentado. De modo que o Enem não será um recomeço profissional para mim. 

Então qual o sentido de fazer a prova? 

Eu encarei como aprendizado, como mais uma tentativa minha de me conectar com a realidade ao meu entorno. É difícil explicar o que isso, na prática, quer dizer. Mas diria que é uma espécie de experimentar a realidade do outro. É entender seu lugar de fala. Mas que outro, alguém pode-se perguntar. Eu tenho três netas e uma delas daqui cinco anos certamente estará fazendo Enem. Quero ter a possibilidade de seguir conversando com ela tendo entre nos signos comuns. Me lembro de que é muito chato ter de explicar tudo para alguém que você deseja conversar. Espero estar sintonizado com minhas netas sem que elas tenham de fazer concessões. Espero estar de igual para igual. Mas reconheço que é difícil. Cada época cria códigos e signos novos. Por enquanto estou com paciência para tentar acompanhar as mudanças.  Sobre meu futuro, há uma certeza: Nunca vou parar de trabalhar e, igualmente, de escrever. Este blog será eterno enquanto durar, enquanto eu durar, pelo menos. Espero que haja leitor. Um, ao menos.

Comentários