Eu não sabia que em Linguística havia o uso do termo Função Fática da Linguagem para designar o ato de alguém quando se dirige a outro alguém, que em grande parte das vezes nem conhece, e diz algo como: Calor, né! Será que vai chover? Firme? Esse, aliás, é meu preferido pois ele engloba uma gama variada de sensações, sentimentos e interpretações, cabendo não a quem perguntou, mas a quem vai responder, que rumo aquele instante vai tomar ou, simplesmente, encerrar qualquer possibilidade de interação social. Pois a Função Fática tem essa intenção de uso na Língua.
Na manhã de ontem, segunda-feira, todo suado e cansado, recém-saído dos aparelhos de musculação da ACM, onde me exercito três vezes por semana, perguntei ao menino, sim, ele não aparentava ter nem 18 anos, embora eu não lhe tenha perguntado a idade, como havia sido o final de semana para o que ele economizou palavras e sentimentos em sua resposta: Tudo bem. Eu fiz uma expressão com meu rosto e retribuí com um simples: É! Simples na gramática, na verdade, pois a entoação do meu É foi dito de tal maneira carregada de sentido que o menino, que eu via pela primeira vez na minha vida, é importante explicar, entendeu e continuou: Ahhh, foi bem legal. Fui com meu amigo no shopping…
E nesse momento me desconectei completamente daquela conversa Função Fática e me vi mergulhado na lembrança de um amigo que me faz muita falta, Carlos Magno, morto tão precocemente. É engraçado dizer que me desconectei pois é totalmente falso que minha consciência me tivesse ordenado algo do tipo saia dessa conversa e passe a se dedicar a este outro tema. Não foi isso o que aconteceu, pois foi algo do meu inconsciente (ou subconsciente), não sei diferenciá-los me contentando em saber que são parte de mim do qual não tenho consciência, que fez eu deixar aquele menino em suas tarefas no balcão e caixa da loja de sucos do clube e me lembrar tão vivamente do Carlos Magno.
É uma coincidência daquelas, além de tudo, me lembrar hoje do Carlos Magno, às vésperas do aniversário de 10 anos de sua morte, ocorrida no dia 18 de novembro de 2015.
O óbvio é que o menino ter me dito que seu final de semana foi muito bom por ele ter ido passear com seu amigo no shopping que detonou essa lembrança em mim, de meu amigo. Nunca fomos a shopping algum juntos pois nem ele e nem gostávamos daquele ambiente, mas não havia bar pé sujo que não nos atraísse em nossa adolescência em Campinas ou juventude em São Paulo onde tentávamos identificar personagens de Baudeleire (foi ele quem me apresentou essa poesia, assim como a música de Strawinsky e a literatura da geração beatnik), Machado de Assis, Bukowsky e nosso contemporâneo Caio Fernando Abreu que nos levou a Clarice Lispector e então a gente se perdeu disso tudo que tanto importava e demos nossos melhores anos ao jornalismo.
Que bobagem nós fizemos!
Na última vez que escrevi sobre ele sugeri em minhas ideias, e não levei adiante pois nunca fiz nada a respeito, que fosse criado o Dia do Carlos Magno (https://odedaquestao.com.br/dia-de-cm/). Em mim esse dia existe porque em mim carrego Carlos Magno e o rompante de suas gargalhadas. Até mesmo quando vejo alguém usando o dedo médio para empurrar os óculos no lugar certo no nariz me lembro dele, pois ele foi o único cara que vi usando esse dedo para esse gesto tão banal. Sempre imagino como ele reagiria à polarização política que transpassa este momento de nossa história e pareço ouvi-lo dizendo: Canalhas!
Viva Carlos Magno.
Viva meus amigos que estão tão vivos quanto eu. Viva à amizade.
PS 1 – Ao acabar de escrever este texto fiquei na dúvida se Carlos Magno morreu em 18 de outubro ou 18 de novembro. Sei que foi dia 18 e em 2015. Vou checar isso e corrigirei numa eventual futura postagem. PS 2 – Carlos Magno é o primeiro menino à esquerda bem no alto da foto, na última fila, em junho de 1986.


