Certamente o leitor de qualquer um dos periódicos em circulação diária no Brasil (seja no papel, como foi até recentemente, ou digital, como é maciçamente hoje em dia) não tenha consciência de que o modelo se forjou após o chamado Projeto Folha, que começou a ser gestado em 1980, e teve sempre a frente Otávio Frias Filho, o herdeiro do jornal Folha de S.Paulo que tinha o comando do seu pai.
A morte, na madrugada desta terça-feira, de Frias Filho aos 61 anos, o que é bem pouco para o século 21, vítima de câncer no pâncreas (considerado senão o mais, um dos mais agressivos), me choca, obviamente, nem tanto pela perda da pessoa (não era meu amigo), mas pelo que ele representa e também por me fazer lembrar do legado que essa deixa ao Brasil.
Um projeto editorial, como foi o que ele criou (existem livros que contam os bastidores dessa história pelo viés do elogio, da crítica, do desdém…), pode se caracterizar como sendo alguns compromissos firmados entre o dono do jornal (que é um produto e, portanto, deve ser comercializado e visar lucro) e o leitor – o famoso Manual da Redação. No caso, a partir do projeto capitaneado por Frias Filho, o jornalismo passou a ser, no Brasil, possível pelo viés crítico, apartidário, independente e pluralista. A Folha se torna um marco no jornalismo brasileiro, o leitor gosta e as outras publicações vieram a reboque desse conceito para conquistar o seu espaço. Ou seja, o Estadão, O Globo e as dezenas de jornais líderes em suas regiões, incluindo o próprio Cruzeiro do Sul em Sorocaba, são o que são devido ao Projeto Folha.
O conceito se solidifica, depois de muitos processos e procedimentos, em 1984, e apenas 1 ano depois, em 1985, eu entrava na Faculdade de Jornalismo com meros 17 anos e uma ilusão juvenil de que poderia ajudar a mudar o mundo para melhor. Obviamente que fracassei estrondosamente nessa minha missão adolescente e para isso basta ver o Brasil de hoje: iletrado, que tem opinião para tudo, que acredita que tudo e todos são iguais e que não vê problema quando um estado paralelo (formado por organização criminosa) assume as comezinhas tarefas de atender a população.
Eu ainda estava na faculdade quando, em 1987, morreu Cláudio Abramo, um dos grandes ícones do jornalismo brasileiro e que ajudara os Frias (o pai e o filho) a construir a Folha. E, entendi naquele momento, portanto muito cedo, que num projeto editorial, ou seja, num jornal que assumiu o compromisso com o seu leitor, qualquer um era apenas uma peça da engrenagem. Se Cláudio Abramo saiu e o jornal seguiu, qualquer outro poderia sair e a vida da publicação não se abalaria. Nem quando Paulo Francis deixou a Folha e foi ao Estadão as coisas se abalaram.
Um projeto é maior do que o homem que o criou.
Curioso e antenado, Frias Filho teve sua atenção despertada para a Rede BOM Dia de Jornais em 2005. Sonho do empresário J.Hawilla, o jornal teve como primeiro consultor e publisher Matinas Suzuki Jr, que era amigo de Frias Filho e um dos pilares da criação e sustentação do Projeto Folha. Eu fui editor-chefe do BOM Dia Sorocaba nos seus 7 primeiros anos de vida e Matinas contou, certa vez, do quanto Frias Filho tinha interesse no que o “nosso” jornal propunha (foi o único impresso fundado no Brasil desde o advento da internet e jornal digital) e decidiu adotar para a sua Folha (que está lá até hoje) a coluna Minuto de Silêncio, ou simplesmente Obituário, um clássico que faz parte da história dos jornais dos Estados Unidos.
A morte de Frias Filho, mesmo que inconscientemente, tem o mesmo significado da morte de algum parente distante, que muitas vezes nem sabíamos que existia, mas que tem em suas veias o mesmo sangue que corre nas nossas.
Quanto ao romancista, e apaixonado pelo teatro, Frias Filho certamente era um frustrado sobre si próprio. Talvez os anos dêem a essa sua outra obra uma nova estatura.