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Na última cena do filme “O suplente” (Argentina, 2022, disponível na Netflix) o professor pede que Ayumi, a melhor aluna de sua sala de Ensino Médio, vá até a lousa, na frente da classe, onde está dependurado uma mapa do corpo humano e vai lhe perguntando, e ela respondendo corretamente, onde está o coração, cérebro, rim, fígado… até que faz sua pergunta derradeira: Onde está a alma?

A pergunta surpreende.

Todos sabem que temos alma, sentimos isso, rezamos pela alma dos mortos, pedimos por proteção a ela… Mas onde ela está? 

No finzinho da tarde de sábado, naquele instante em que a luz do dia está fraca e as lâmpadas se acendem, eu estava dentro do McDonald’s, onde sempre vou tomar o café coado que só lá eles sabem fazer naquela cafeteira elétrica de jarro de vidro, e encontrei o olhar de uma menina. 

Eu não sou capaz de dizer se ela tinha 16, 15, 12, 10 anos… Ela estava muito debilitada. Apenas pele e osso. Um cateter mal escondido estava atrás de sua blusa na altura do ombro e pescoço. Sua careca não era de cabelo raspado, mas de não germinado, como um terreno árido onde nenhuma vida vive. Ela estava fraca… apoiou a cabeça sobre os braços que estavam na mesa. Pensei: Ela dormiu? Então, como se sentisse meu olhar sobre ela, levantou levemente a cabeça e me fixou com um olhar etéreo. Essa foi minha interpretação do olhar dela.

A alma, penso, é essa conexão de sentimentos, compaixão, pensamentos, sensações e intencionalidades… que se troca nos mais inusitados dos lugares com quem menos se imagina encontrar.

Aquela menina, recém saída de uma internação no Hospital de Câncer Infantil (minha sensação é de que ela foi comer seu lanche na hora da visita mais pelos pais do que por ela mesma), com grande chance de retornar para lá e não para casa, vive em mim desde então. Assim como tenho pensado nela, e lhe desejado o melhor, embora na prática isso não signifique absolutamente nada, espero que ela esteja pensando em si desejando se curar. O que, na prática, igualmente não significa nada. Infelizmente! Seria outra a humanidade se a força do pensamento movesse qualquer matéria. Não move. Não resolve. É preciso ação. Não basta querer emagrecer para se ficar magro. Não basta querer se curar para estar sarado. Não basta desejar ir para estar lá…

A menina que vi está agindo, se medicando, vivendo, levando a sua alma passear. Fico feliz em ter compartilhado desse instante.  O coração bomba o sangue; o rim, filtra os líquidos; o fígado drena a gordura… A alma conecta pessoas e torna verdadeiramente humano o existir. Saia de casa com a sua alma. Mesmo que seja para fazer hora, esperando alguém, tomando um cafezinho.

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