O modelo Tales Newton Gomes Alvarenga Soares, conhecido como Tales Cotta, morreu na passarela da 47ª São Paulo Fashion Week enquanto desfilava para a grife Ocksa, na Zona Oeste de São Paulo, no último sábado. Uma imagem chocante que correu o mundo.
Imediatamente me veio à mente a morte do zagueiro Serginho da equipe do São Caetano, que em outubro de 2004 enfrentava o São Paulo com transmissão ao vivo pela TV, sentiu-se mal aos 15 minutos do 2º tempo, foi retirado do gramado do estádio do Morumbi de ambulância e morreu cerca de uma hora depois.
Depois me lembrei da querida Sílvia Ruriko Takeshi, uma das primeiras sorocabanas descendentes de japoneses a emigrar ao Japão em busca de uma oportunidade de trabalho nos anos 80. Ela me contou que viu um homem cair morto no chão da fábrica e os gerentes deixarem-no lá, duro, impedindo que a produção parasse. Ela me relatou o choque daquela atitude e o quanto acentuou o seu sofrimento dos dias que passou lá.
E na manhã de hoje, quando eu já terminava minha série de exercícios na academia da ACM do Jardim São Paulo, soube que uma hora antes, Eduardo Pizzo Lemos, 56 anos, havia tido um infarto fulminante na pista de atletismo, em volta do campo de futebol. Ele sentiu-se mal, sentou e caiu. A equipe do Samu tentou por uma hora trazê-lo de volta à vida, mas ele tinha morrido.
E o luto?
O jogo de futebol, no já longínquo 2004, foi interrompido. Houve, na época, uma discussão se outras rodadas daquele campeonato deveriam ser canceladas. Mas o jogo parou. Era sinal de respeito.
Assim como no chão da fábrica do Japão, o desfile no último dia da São Paulo Fashion Week, não. Continuou: “à música do desfile, que incrivelmente foi retomado após o incidente, se somaram as sirenes da ambulância na área externa para onde ele foi levado (…) ainda não eram 18h deste sábado, havia uma programação com outros quatro desfiles a cumprir, todos atrasados, e a produção do evento decidiu continuar”, relata o jornalista Pedro Diniz no Portal UOL – leia abaixo a íntegra da matéria.
Na Academia da ACM, na manhã de hoje, cada um que chegava era comunicado por alguém da morte do colega e todos se aglomeravam no computador para ver a foto e ver se o conhecia. Para em seguida se lamentar: nossa… eu o via sempre aqui.
Um senhor, que assim como outras centenas de sócios da ACM eu encontro frequentemente e nos damos cordiais Bom Dia, me disse: hoje mudou tudo esse negócio de luto. Prevalece (e ele mudou o seu tom de voz para algo que me pareceu indignado): é a vida que segue.
Há um novo sentido para a vida e morte social. Tales era só mais um modelo, Serginho apenas mais um zagueiro, o imigrante só mais um imigrante e Eduardo mais um sócio do clube. Cancelar o desfile, assim como fechar a ACM hoje, por causa de uma morte, certamente teria sido um “transtorno” para muita gente que não era da intimidade deles.
Essa lógica, puramente mercantil e funcional, ajuda a gente compreender as dores pelas quais nossa sociedade está passando. E a impotência, ao menos minha, diante desta nova cultura, apenas aperta a dor de ver que o tempo passou e eu não me sinto mais capaz de compreender, aceitar ou andar nesse novo ritmo atual.
Matéria do portal UOL
Por Pedro Diniz
O último dia de desfiles da 47ª São Paulo Fashion Week ficará marcado para sempre como um dos raros eventos de moda, se não o primeiro, em que um modelo morreu em plena passarela.
Nos primeiros segundos da apresentação do estilista Igor Bastos, da grife Ocksa, Thales Soares, conhecido como Tales Cotta, de 26 anos, caiu ao mostrar um look assimétrico azul com detalhes verde-limão.
Dado o espírito performático do desfile, o baque no chão de cimento batido pareceu uma intervenção plástica para os convidados que assistiam da primeira fila.
Logo, no entanto, viram que o tremor no corpo e a espuma que saía da boca do modelo da agência Base Mgt não era encenação. Ele estava agonizando, de verdade, diante de centenas de pessoas.
A trilha musical, de sons eletrônicos agressivos produzida pelo DJ Augusto Correa, parou assim que dois bombeiros invadiram às pressas a passarela. Menos de um minuto depois ele sairia carregado numa maca, com o semblante estático e a pele avermelhada.
À música do desfile, que incrivelmente foi retomado após o incidente, se somaram as sirenes da ambulância na área externa para onde ele foi levado.
Aparentemente ainda com vida, ele foi socorrido por cerca de 12 bombeiros que cercavam a ambulância e tentavam reanimá-lo no local. Menos de três minutos depois, quatro deles fecharam as portas e saíram em direção ao Pronto Socorro Municipal da Lapa.
Ainda não eram 18h deste sábado, havia uma programação com outros quatro desfiles a cumprir, todos atrasados, e a produção do evento decidiu continuar.
Quando a notícia da morte chegou por volta das 19h, via Luminosidade, empresa que organiza a São Paulo Fashion Week, a comoção tomou conta do Arca, o galpão na zona oeste que abriga o evento desde o ano passado.
Jornalistas abandonaram a cobertura e um dos donos da Cartel 011, Cris Resende, por telefone, instruiu seus funcionários a fechar o ponto da loja multimarcas que havia aberto as portas dentro do galpão.
O diretor do evento se negou a acatar a decisão e pediu que a loja ficasse aberta até as 22h. Aberta ficou, mas os funcionários ficaram sentados sem vender uma única camiseta moderninha.
Um minuto de silêncio foi feito em memória do morto pouco antes do desfile da grife Piet, comandada pelo estilista Pedro Andrade.
Modelos que participam do evento e jornalistas amigos do modelo que o visitaram pouco antes de sua morte afirmaram a este repórter que ele parecia bem e feliz antes da apresentação, mas nervoso e de estômago vazio.
Uma delas, Isa Mel, da Oxygen Models, explicou que ele não comeu porque era vegetariano e não havia esse tipo de comida no camarim.
Por volta das 19h, a SPFW emitiu um comunicado informando a morte do modelo em decorrência do que chamou de mal súbito. Não deu nenhum detalhe, e a direção disse que só se pronunciaria depois que um laudo médico fosse concluído.
Os organizadores se limitaram a dizer que o jovem “foi prontamente atendido pela equipe de socorristas e em seguida levado ao hospital, mas infelizmente não resistiu”.
“Lamentamos esta fatalidade e prestamos nossas sinceras condolências à família de Tales”, acrescenta o comunicado. Procurado, Paulo Borges, fundador e diretor da SPFW, não foi visto após o incidente.
Até o fechamento desta edição, os food trucks montados ali continuavam a vender a carne, pizza e hambúrgueres gourmet.
Tudo parecia normal, não fosse a atmosfera de luto que tomou as salas de desfile. Foi a despedida melancólica de uma temporada que poderia ser esquecida, mas será lembrada como a mais triste da trajetória da São Paulo Fashion Week.