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Tem coisas que estão me desestabilizando. Exemplo: Estou na área de alimentação do mercado, fazendo hora para o meu compromisso de trabalho, e quem vem ao meu encontro? Um conhecido. Não sei nada dele. Nem o nome.

Oi tudo bem… Ele me diz mostrando seus dentinhos de rato que lotam a sua boca. No peito ele carrega um boton com a bandeira do Brasil… É o dia seguinte ao da eleição.

Ele viu que me incomodei. Meu olhar estava parado no boton. Então ele disse: Isso aqui não é nada… E antes que eu respondesse, num tom inquisidor, assim me pareceu, ele falou: Você não gosta da nossa bandeira? Confesso ter sido pego de surpresa com essa pergunta. E disse: Vamos mesmo ter essa conversa? E ele voltando a um tom amável e cínico me disse: Amigo. Você, amigo… A ausência de artigo e verbo lhe fez parecer uma máquina, um tom mecânico.

Na rua, o carro ao lado ostenta a bandeira; a parede da loja; a janela do apartamento… 

A rede social, ao contrário do mundo real, permite que se deixe de seguir o seu “amigo”. Então toca tirar da frente xenófobos, preconceituosos, agressivos.

Mas, no fim, o efeito no mundo real e virtual é o mesmo:  Me sinto emparedado.

Nas redes sociais, fico na bolha. No mundo real, acossado por ícones carregados por pessoas que conhecemos ou nunca vimos na vida.

Nunca a alegoria do filme (Acossado, de 1960) de Jean-Luc Godard fez tanto sentido. Para quem não se lembra, na cena final, o protagonista estirado no chão fala: Asqueroso. E sua amante, traidora, pergunta: O que é asqueroso?

Também a frase de Mussolini, dizendo que não inventou o fascismo, que ele já estava vivo em cada italiano daquele momento, faz tanto sentido. Tenho observado o mesmo, já disse e repito: o bolsonarista existe muito antes de Bolsonaro. O capitão é o cara que chutou o toco da roda do caminhão estacionado na descida e soltou o freio de mão, como bem desenhou um amigo.

Ao ler hoje postagem de um colega dos tempos do colegial na EE Júlio Bierrembach de Lima, no Jardim Santa Rosália, xingando os nordestinos, isso ficou evidente. Ele já era extremista quando éramos adolescentes. Pelo menos é o que me lembro. Vivia fazendo piadinhas. Sua tez branquinha e seus olhos azuis sempre lhe favoreceram, não só no quesito namorada. Ele não precisava se esforçar. Ele era “o escolhido”. Ele não precisava fazer nada para agradar.

Por algum motivo ele não fez faculdade (não foi falta de dinheiro). Não sei se ele era bom aluno. Nunca fomos da mesma sala, nossa amizade era de corredor, área do intervalo de aula, esquina da escola. Se for averiguar, nem sei se ele era aluno. Mas sempre estava ali com a gente. Hoje ele é dono de uma cantina numa das faculdades particulares de Sorocaba.

Sabe o que penso lendo o seu preconceito? Que quando os pretos começaram a estudar, graças às bolsas e financiamentos criadas nos governos Lula, ele percebeu que algo significativo havia mudado. E ele estava do lado do balcão que não queria…

Só isso para explicar tanto ódio! Não justificar.

Me sinto sem horizonte, aborrecido…

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