O corpo de José Lanaro, o querido Zezo, o Príncipe sorocabano, parou na madrugada de hoje. Ele estava em morte cerebral desde sábado passado e em coma profundo desde o último dia 3, um dia depois de ter dado entrada no hospital da Unimed, de onde nunca mais saiu.
A morte leva junto com ele a jocosidade e espírito brincalhão que se manifestavam espontaneamente quando ele conseguia se desligar da dor que o acompanhou nas quase últimas duas décadas, quando perdeu o filho José Luiz, numa das mais violentas ações criminais de Sorocaba, quando ele foi sequestrado e morto por seus assassinos.
Um pedaço de Zezo morreu naquele dia 26 de junho de 2001.
Mas outro se manteve bem vivo no filho Luciano e nos netos Lorenzo e sua irmã Catarina.
Sua vida girava em torno da família. Ele cultuava o amor pelas gerações: “Quando os meus filhos disserem aos meus netos o quanto eu os amava; e quando os meus netos disserem aos meus filhos que guardam lembranças minhas e de mim sentem saudades, não terei morrido nunca: serei eternidade!”
Esse verso, que não sei de quem é, foi me dito por Zezo logo em uma das primeiras vezes em que fui almoçar na sua casa. Dedjinhhaaa… assim me chamava Zezo, fazendo biquinho com os lábios. Me transformei num ótimo ouvinte. Sentia que fazia bem a ele e ouvir sempre me fez bem também.
Avesso a entrevistas, ele me deu a honra de entrevistá-lo para o programa O Deda Questão então exibido na TVR, canal 23 da NET Sorocaba. Vaidoso, tinha a preocupação de como as pessoas iriam vê-lo, ou melhor, iriam interpretar e analisar aquela imagem que aparecia na televisão.
Tive o privilégio de ser parte dos últimos anos de sua vida. Uma história que começou no Bar do Fundão. Moda na Inglaterra e na França, e que chega nos dias de hoje a São Paulo e Rio de Janeiro, existem tipos de bares onde não há placa na porta e, no geral, ficam em locais absolutamente escondidos. São secretos na verdade. Para frequentá-lo precisa ser levado por alguém. Um conceito que nasceu em Chicago, nos anos 20, e que existia para burlar a Lei Seca. E assim era o Bar do Fundão. Um bar no quintal da Casa Lotérica A Favorita na rua Coronel Benedito Pires, no centro de Sorocaba. Só se entrava lá com autorização do segurança na porta. Não havia o menor sinal do que se encontraria ali dentro. E foi lá que bebi alguns dos mais caros vinhos da minha vida e comi, até me esbaldar, iguarias feitas com ingredientes de primeira qualidade como camarão VG, por exemplo. Dedjinhhaaa… você é o melhor prato que conheço. E é verdade, nunca fui de beber tanto o quanto de comer. E nisso éramos bem diferentes. Zezo apreciava e abusava da bebida.
No Bar do Fundão passaram alguns dos principais nomes do futebol brasileiro, delegados de polícia, advogados, vereadores, empresários, juiz de direito, desembargador do Tribunal de Justiça e um monte de pé no chão. Zezo tinha essa rara capacidade de unir e reunir quem tinha condições sociais absolutamente diferentes e deixá-los à vontade como se sempre tivessem sido velhos e bons amigos.
Zezo, em 2014, tardiamente em minha opinião – mas antes tarde do que nunca – recebeu o título de Presidente de Honra do São Bento. Uma singelíssima homenagem a quem foi o verdadeiro padrinho do time em suas fases mais difíceis ao emprestar dinheiro sem que tivesse qualquer garantia de que fosse receber de volta. Era seu prazer. Havia fila de dirigentes, jogadores e empresários na sua porta. Alguns se transformaram em verdadeiros amigos como Xixo (o contador Agacyr Maister) e Paulo Comelli que depois de treinar o São Bento está há quase cinco anos nos Emirados Árabes numa carreira vitoriosa. Outros eram devotos de sua amizade como Marinho Perez, que na semana passada, deu com a cara na porta na Unimed diante da impossibilidade de se encontrar pela última vez com o amigo de infância.
Advogado formado pela “Nossa de Direito”, a Fadi, e ex-aluno do Estadão – o conceituado colégio de Sorocaba nos anos 50 e 60 – que tinha na turma gente como Paulinho Rogick e Luiz Beldi Castanho, Zezo era uma pessoa absolutamente culta. Dominava como poucos a Língua Portuguesa e foi assim, pelos problemas que o jornal BOM DIA enfrentou em sua implantação, onde o sistema operacional provocava erros absurdos (com o que o leitor não tem absolutamente nada, ele tem o direito de receber em ordem seu exemplar) que passei a frequentar da intimidade de Zezo Lanaro em 2005, figura pública que conhecia bem antes.
Ele demonstrava um misto de curiosidade e admiração por J.Hawilla – então dono do BOM DIA e um dos principais empresários do futebol brasileiro – e contava passagens que tiveram juntos na vida em razão de Juca Paes (um dos ícones sorocabanos) e Alfredo Metidieri, sorocabano que presidiu a Federação Paulista de Futebol. Assim como a paixão pelo futebol, o que unia Zezo e Hawilla era a locução esportiva. Zezo, como poucos, sabia empostar a voz. Fã de João Paulo de Andrade do programa O Pulo do Gato, da rádio Bandeirantes, Zezo se tornou aos poucos meu ouvinte e depois meu crítico na coluna O Deda Questão no Jornal da Ipanema (FM 91.1Mhz), onde gostava de dar dicas de temas e me contar algum bastidor.
A internet, que trouxe o advento de redes sociais, abriu uma infinidade de janelas para o mundo de Zezo. Ele observava as nuances e entranhas de Sorocaba de seu refúgio dos últimos anos, sua morada no edifício Torre Branca. Quando o câncer, diabetes e outras complicações lhe levaram a perder uma perna, dedos do pé, pedaço da língua, ficar em casa cada vez mais lhe deixava confortável. E pelas redes sociais ele acompanhava tudo, as brigas políticas, as trapalhadas de Crespo, o “nascimento” de Jaqueline, o que ele chamava de espertezas dos vereadores. Nada lhe escapava. Aliás, foi pelo facebook, que ele deixou seu último recado: se der tempo, Bolsonaro. Não deu. Nem no 1º turno.
Mas era do mundo real que ele sentia falta. Zezo sempre foi aquele tipo de pessoa que atraia para si todas as atenções onde quer que ele chegasse. Sua história foi assim. Gostava de roupas sob medida e tecidos raros. Sempre estava barbeado e perfumado. Nunca admitia que alguém pagasse uma conta. Aliás, me surpreendi com a dificuldade que tinha de receber presente. Na Páscoa de 2016, onde fui comer o melhor bacalhau do mundo (Cod Gadus Morhua – de carne branca e macia e saborosíssima), apareci como de costume em cima da hora. E, ao contrário de outras vezes, onde sempre estavam presentes pessoas próximas a ele (como Samuel, Neto, Reinaldo, Pinga, Paraná, Sabugo, Dorinha entre tantos outros) dessa vez era só eu. Cheguei com uma caixa de bombom, pela Páscoa, época de chocolate. E ele, verdadeiramente, se emocionou com aquilo. E não admitia a emoção e, na mesma hora, quis me retribuir. Pediu que a Cris (cozinheira de todos os dias, cujo a família conhecia a minha devido ao Vadeco, lá da Vila Santana) fosse em seu armário e pegasse as gravatas que estavam lá. Me deu duas, caríssinhas, de marca, seda pura, que haviam sido trazidas da França para ele. Estavam na embalagem. Uma delas, bege, usei quando fui me apresentar na Câmara, aos vereadores, assim que assumi o cargo de gerente regional da CDHU. A azul talvez use no próximo sábado.
O corpo de Zezo, que será velado a partir das 13h de hoje no Cemitério Pax, mesmo local onde será enterrado às 17h, foi cuidado até o final por sua assistente Stella Cutchner. Assim que ela me deu detalhes do velório, tratei de divulgar entre alguns grupos de pessoas.
Em um deles, um amigo perguntou: que bicho vai dar hoje? E não me contive em responder: Do descanso. Da preguiça. A pergunta não veio sem propósito, afinal Zezo foi durante anos contraventor. Proibido no Brasil desde 1940, o Jogo do Bicho existe e faz parte da vida do brasileiro. Em alguns lugares, o crime se apropriou dessa prática. Com Zezo, não. Ele nunca saiu dos seus limites de diversão e entretenimento de um Brasil que ele tinha saudades, onde o prazer dos amores, do futebol e da bebida reinavam recheados de histórias e personagens.
Em outro grupo, um amigo escreveu: Túnel do tempo – Zezo Lanaro me liga na redação do Cruzeiro e pede que eu vá até o Tropical, na rua da Penha, pois Picolé e Bazaninho lá estavam. Chegando, todos estavam trêbados. Precisei “inventar” respostas da entrevista, pois não conseguiam articular coisa alguma, muito menos memórias do São Bento campeão em 62…Típico do Zezo!
Com muita dor chego até aqui. Difícil falar do Príncipe, que considero O Grande Gatsby (referência ao romance escrito pelo autor americano F. Scott Fitzgerald e publicado pela primeira vez em 1925) sorocabano. A história é um preciso relato do glamour daquela época e do inconformismo de um materialismo sem limites e absoluta falta de moral. Juntos, esses dois elementos traziam consigo a decadência daquela sociedade. Zezo, foi um crítico sagaz da decadência da nossa sociedade nesses dias atuais, onde, dizia eles, as pessoas querem só se aproveitar das outras ficando longe da fé e dos bons costumes.
A vida é uma festa, é preciso saber como viver isso. Zezo sabia!