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Uma pelúcia da Mafalda, que de imediato virou minha bisneta, não faltou na bagagem de retorno de meus dias em Buenos Aires. E virou bisneta por decreto de minha neta, a quem a pelúcia foi comprada pela tia dela, minha filha mais velha. 

Mafalda e sua mãe (o que também aconteceu por decreto, de imediato, minha neta) se organizaram para não comerem de uma vez só o saco com balas, pirulitos, chicletes, chocolates em formatos variados de moedas a guarda-chuvas e um troço chamado bocaditos que, para mim, são inidentificáveis. É como se fosse uma manteiga doce em quadradinhos. É ruim, mas bom também. 

Eu acho que conseguiram a façanha, pois cinco dias depois ainda restava um pouco de chiclete no rolo, uns confetes de m&m, uma barrinha de chocolate…

A Mafalda, essa que mora aqui em casa, claro, torce para o Brasil, como a mãe dela. Mas não é aquela torcida… Sua mãe, por exemplo, preferiu ficar dentro da piscina a ver jogo. Nem mesmo os gols… Tivesse perdido e a vida seguiria a mesma, apenas com a dor da existência. 

Quando nos damos conta dela?

A psicanálise, psiquiatria e a psicologia certamente têm a resposta certa para essa questão. Eu acho que é desde o instante em que o indivíduo, ao nascer, passa a se dar conta que ele é um e a mãe, outro. Não são um, mas dois seres. Na barriga e nos meses iniciais essa distinção é impossível de ser percebida. A consciência é o que possibilita a dor. A ingenuidade é uma benção. 

Minha neta vem me ensinando muito sobre isso por eu estar mais atento ao processo de crescimento dela do que eu estive de minhas duas filhas. 

Ela tem tudo à mão. Não apenas o amor de sua mãe e pai e avós, nonno. Mas uma boa escola, casa, cama, livros, tablet com jogos virtuais, cinco refeições diárias e doces que ela tanto ama.

Que siga sendo abençoada assim. Não é garantia de que será feliz, mas de que é amada, olhada, cuidada e isso certamente são influências positivas. 

Tem me perturbado o que será da menininha que me abordou na noite de sexta-feira no posto Ale da avenida Imperatriz Leopoldina em São Paulo no instante em que entrei na salinha para pagar a conta de 100 reais dos 26 litros de gasolina que pus no carro e voltar para casa.

Ela não tinha 10 anos. Assim como minha neta não tem. Ela tinha as duas bochechas maquiadas de vermelho e os olhos com sombra azul… Eu não tinha percebido ela entrar, então ela me chamou. Voz fininha: Tio… Tio… Tio… Pareceu, aos meus ouvidos, um piado. Me deu uma dor quando a vi. Não consegui encará-la. E sua vozinha me pediu: Me compra um desse? Eu só chacoalhei a cabeça, dando consentimento. 

A Maria, a caixa, sessentona, com quem tenho intimidade para brincar com a banalidade de freguês e funcionário, queria saber qual ela pegou. Ela é obrigada a passar o código de barras de cada produto em seu caixa. Eu disse que não vi. Ela disse que nem ela. Eu falei acho que foram essas balas. E apontei ao pacote de Fini. Ela disse que também achava.

Por essas e outras eu tenho horror a quem fala de mérito, meritocracia, basta ter vontade, trabalhar muito…

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